Śrī Tantrālokaḥ [invocações - versos 1-21]
श्रीतन्त्रालोकः
ŚRĪ TANTRĀLOKAḤ
Śrīmadabhinavaguptapādācāryaviracitaḥ
{ॐ} विमलकलाश्रयाभिनवसृस्तिमहाजननी
भरिततनुश्च पन्चमुखगुप्तरुप्तरुचिर्जनकः ।
तदुभययामलस्फुरितभावविर्सगमयं
हृदयमनुत्त्रमृतकुलं मम संस्फुर्तात् ॥१॥
vimalakalāśrayābhinavasṛstimahājananī
bharitatanuśca
pancamukhaguptaruptarucirjanakaḥ
tadubhayayāmalasphuritabhāvavirsagamayaṃ
hṛdayamanuttramṛtakulaṃ mama saṃsphurtāt
||1||
Ela é gloriosa, a Criação sempre nova;[2]
sua fundação, o puro néctar da Lua. Seu corpo está cheio e seu segredo[3]
é a Luz adornada com cinco faces. Que a Família[4]
do néctar[5]
do Absoluto[6], o
meu coração, a emissão[7]
vibrante e resplandecente do casal unido, Pai e Mãe, pulse.[8]
नौमि चित्प्रतिभां देवीं परां भैरवयोगिनीम् ।
मतृमानप्रमेयांशशूलाम्बुजकृतास्पदां ॥२॥
naumi citpratibhāṃ devīṃ parāṃ
bhairavayoginīm |
matṛmānaprameyāṃśaśūlāmbujakṛtāspadāṃ ||2||
Eu saúdo a Suprema Deusa Pratibhā,[9]
que está além, é infinita e repousa na consciência suprema. Tu que estás unida
a Bhairava, cujo assento é o lótus do tridente, além dos três estados da mente.[10]
नौमि देविम् शरीरस्थां नृत्यतो भैरवाकृते ।
प्रावृण्मेघघनव्योमविद्युल्लेखाविलासिनीम् ॥३॥
naumi devim śarīrasthāṃ nṛtyato
bhairavākṛte |
prāvṛṇmeghaghanavyomavidyullekhāvilāsinīm ||3||
Eu saúdo a Deusa Inferior,[11]
que é como um súbito relâmpago[12]
produzido das nuvens que cobrem o céu tempestuoso e que reside no sempre
dançante corpo de Bhairava.[13]
दीप्तज्योतिश्चताप्लुष्तभेदबन्धत्रयं स्फुरत् ।
स्ताज्ज्न्आनशूलं सत्पक्षविपक्षोत्कर्तनक्षमम् ॥४॥
dīptajyotiśchatāpluṣtabhedabandhatrayaṃ
sphurat |
stājjñānaśūlaṃ satpakṣavipakṣotkartanakṣamam ||4||
Que a luz resplandecente do Conhecimento[14]
destrua os três grilhões[15]
com seus raios crepitantes cujo poder consome os obstáculos da bem-aventurança
universal e individual.[16]
स्वात्रन्त्र्यशक्तिः क्रमसंसिसृक्षा क्रमात्मता चेति विभोर्विभूतिः ।
तदेव देवीत्रयमन्तरास्तामनुत्तरं मे प्रथत्स्वरूपम् ॥५॥
svātrantryaśaktiḥ kramasaṃsisṛkṣā
kramātmatā ceti vibhorvibhūtiḥ |
tadeva devītrayamantarāstāmanuttaraṃ me
prathatsvarūpam ||5||
Que as três Deusas do poder glorioso do Senhor Todo Penetrante,[17]
que são a absoluta autonomia do Supremo,[18] o poder de sua vontade para criar o processo[19]
da manifestação do universo e o seu próprio poder, que são os esplendores de
Paramaśiva, revele-me o Absoluto,[20]
que é minha verdadeira natureza interior.
तद्देवताविभवभाविमहाम्मरीचि
चक्रेश्वरायितनिजस्थितिरेक एव ।
देवीसुतो गणपतिः स्फुरदिन्दुकान्तिः ,
सम्यक्समुच्चलयतान्मन संविदब्धिम् ॥६॥
taddevatāvibhavabhāvimahāmmarīci
cakreśvarāyitanijasthitireka eva |
devīsuto gaṇapatiḥ sphuradindukāntiḥ,
samyaksamucchalayatānmana saṃvidabdhim ||6||
Que Gaṇeśa, o Senhor dos exércitos, aquele que habita em si mesmo,[21]
filho da Deusa que é linda como a lua radiante, Senhor[22]
da Roda dos Grande Raios da consciência sensorial, que são a glória do esplendor
das Divindades, agite o oceano de minha consciência.[23]
रागारुणं ग्रन्थिबिलावकीर्णं
यो जालमातानवितानवृत्ति ।
कलोम्भितं बाह्यपथे चकार
स्तान्मे स मच्चन्दविभुः प्रसन्नः ॥७॥
rāgāruṇaṃ granthibilāvakīrṇaṃ |
yo jālamātānavitānavṛtti |
kalombhitaṃ bāhyapathe cakāra |
stānme sa macchandavibhuḥ prasannaḥ ||7||
O todo penetrante Senhor Macchanda[24]
lançou sua rede[25]
ao longo do caminho, para fora da Luz. Essa rede de escravidão, cuja cor é
vermelha, se espalhou pelo intenso desejo e apego,[26]
pela limitação da ação[27]
e pela escravidão constituída pelo pensamento equivocado[28]
na terra das satisfações.[29]
Que ele esteja ao meu favor.
त्रैयम्बकाभिहितसन्ततिताम्रपर्णी
सन्मोक्तिकप्रकरकान्तिविसेषभाजः ।
पूर्वे जयन्ति गुरवो गुरुशास्त्रसिन्धु
कल्लोलकेलिकलनामलकर्णधाराः ॥८॥
traiyambakābhihitasantatitāmraparṇī
sanmouktikaprakarakāntiviseṣabhājaḥ |
pūrve jayanti guravo guruśāstrasindhu
kallolakelikalanāmalakarṇadhārāḥ ||8||
Todos os antigos sábios e professores espirituais, grandes, sinceros e
agraciados, descendentes da linhagem luminosa de Trayambaka,[30]
timoneiros da barca que atravessa o oceano das escrituras, possam sempre estar
presentes.
जयते गुरुरेक एव श्रीश्रीकण्ठो भुवि पथितः ।
तदपरमूर्तिर्भगवान् महेश्वरो भूतिराज्श्च ॥९॥
jayate gurureka eva śrīśrīkaṇṭho bhuvi
pathitaḥ |
tadaparamūrtirbhagavān maheśvaro
bhūtirājśca ||9||
Existe um mestre conhecido e sempre presente na terra; ele é famoso e
triunfante. É o venerável Śrīkaṇṭha. Como ele, o Mestre Maheśvara, que é outra
de suas muitas formas também está, assim como Bhūṭirā.
श्रीसोमानन्दबोधश्रीमदुत्पलविनिःसृताः ।
जयन्ति संविदामोदसन्दर्भा दिक्प्रसर्पिणः ॥१०॥
śrīsomānandabodhaśrīmadutpalaviniḥsṛtāḥ |
jayanti saṃvidāmodasandarbhā
dikprasarpiṇaḥ ||10||
Que as composições,[31]
perfumadas com a fragrância da consciência que se espalha por todas as
direções, criadas por Utpaladeva,[32]
quem encarnou a sabedoria do venerável Somānanda,[33]
triunfem.
तदास्वादभरावेशबृण्हितां मतिषट्पदीम् ।
गुरोर्लक्ष्मणगुप्तस्य नादसंमोहिनीं नुमः ॥११॥
tadāsvādabharāveśabṛṅhitāṃ matiṣaṭpadīm |
gurorlakṣmaṇaguptasya nādasaṃmohinīṃ
numaḥ ||11||
Prostramos-nos diante da mente divina do grande Mestre Lakṣmaṇagupta, que
como o som de uma abelha, é a ressonância da consciência que hipnotiza todos os
seres pelo movimento sempre em expansão em direção a manifestação,[34]
cheio de sabor e absorção. [35]
यः पूर्णनन्दविश्रान्तसर्वशास्त्रार्थपारगः ।
स श्रीचुखुलको दिश्यादिष्टं मे गुरुरुत्तमः ॥१२॥
yaḥ pūrṇanandaviśrāntasarvaśāstrārthapāragaḥ |
sa śrīcukhulako diśyādiṣṭaṃ me
gururuttamaḥ ||12||
Que o venerável Śrī Cukhulaka, o melhor dos professores, tendo atravessado
todo o oceano das escrituras, descanse em perfeita bem-aventurança e me instrua
no que desejo saber.
जयताज्जगदुद्धृतिक्षमोसौ
भगवत्या सह शम्भुनाथ एकः ।
यदुदीरिरितशासनांशुभिर्मे
प्रकतोयं गहनोयं शास्त्रमार्गः ॥१३॥
jayatājjagaduddhṛtikṣamo’sau
bhagavatyā saha śambhunātha ekaḥ |
yadudīriritaśāsanāṃśubhirme
prakato’yaṃ gahano’yaṃ śāstramārgaḥ ||13||
Que o Senhor Śambhunātha seja vitorioso! Ele que, unido a sua consorte,
tem o poder de elevar todo o universo. Ele que, pelos raios iluminados de suas
instruções, clareou o caminho das escrituras para mim, pois embora profundas,
são difíceis de entender.
सन्ति पद्धतयश्चित्राः स्त्रोतोभेदेषु भूयसा ।
अनुत्तरषदर्धार्थक्रमे त्वेकापि नेक्श्यते ॥१४॥
santi paddhatayaścitrāḥ strotobhedeṣu
bhūyasā |
anuttaraṣadardhārthakrame tvekāpi
nekśyate ||14||
Existem muitos caminhos incríveis pelas correntes de pensamento, mas
nenhum caminho é apropriado para Anuttara Trika Artha.[36]
इत्य्हं बहुशः सद्भिः शिष्यसब्रहाचारिभिः ।
अर्थितो रचये स्पष्टां पूर्णार्थां प्रकृयामिमाम् ॥१५॥
ityhaṃ bahuśaḥ sadbhiḥ śiṣyasabrahācāribhiḥ |
arthito racaye spaṣṭāṃ pūrṇārthāṃ prakṛyāmimām ||15||
Existem inúmeros manuais litúrgicos[37]
utilizados por várias tradições. Mas nenhum deles é apropriado para os rituais[38]
da tradição Anuttaratrika. Portanto, repetidamente solicitado por meus
sinceros discípulos e companheiros,[39]
eu componho essa liturgia,[40]
que é clara e completa.[41]
श्रीभत्तनाथचरणाब्जयुगात्तथा श्री
भत्तारिकाण्घृयुगलाद् गुरुसन्ततिर्या ।
बोधान्यपाशविषनुत्तदुपासनोत्थ
बोधोज्ज्वलोभिनवगुप्त इदं करोति ॥१६॥
śrībhattanāthacaraṇābjayugāttathā śrī
bhattārikāṅghṛyugalād
gurusantatiryā |
bodhānyapāśaviṣanuttadupāsanottha
bodhojjvalo’bhinavagupta idaṃ
karoti ||16||
Eu, Abhinavagupta, faço isso, flamejante com a consciência iluminada a
partir da adoração dos pés de lótus do Senhor Bhaṭṭanātha[42]
e de sua consorte, a Senhora Bhaṭṭārikā, juntamente com aqueles que os
precederam na linhagem dos Mestres. Sua adoração é o antídoto para o veneno que
agrilhoa todas as coisas e é contrário a consciência.
न तदस्तीह यन्न श्रीमालिनीविजयोत्तरे ।
देवदेवेन निर्दिष्तं स्वशब्देनाथ लिण्गतः ॥१७॥
na tadastīha yanna
śrīmālinīvijayottare |
devadevena nirdiṣtaṃ svaśabdenātha liṅgataḥ ||17||
Não existe nada aqui[43]
que não seja ensinado pelo Deus[44]
dos deuses no Mālinīvijayattara-tantra, seja direta ou indiretamente.
दशाष्टादशवस्वष्टभिन्नं यच्चासनं विभोः ।
तत्सारं त्रिकशास्त्रं हि तत्सारं मालिनीमतम् ॥१८॥
daśāṣṭādaśavasvaṣṭabhinnaṃ yacchāsanaṃ
vibhoḥ |
tatsāraṃ trikaśāstraṃ hi tatsāraṃ
mālinīmatam ||18||
Os ensinamentos do Senhor[45]
estão divididos em grupos de dez, dezoito e sessenta e quatro Tantras. As
escrituras Trika[46]
são o princípio[47]
de todas e destas, a Mālinīvijaya-tantra é a essência.
अतोत्रान्तर्गतं सर्वं संप्रदायोज्झितैर्बुधैः ।
अद्र्ष्टं प्रकटीकुर्मो गुरुनाथाज्न्अया वयम् ॥१९॥
Ato’trāntargataṃ sarvaṃ saṃpradāyojjhitairbudhaiḥ |
adrṣṭaṃ prakaṭīkurmo gurunāthājñayā
vayam ||19||
Dessa forma, sob o comando do Mestre, explicarei tudo o que está contido
aqui e que fora negligenciado nas outras escrituras, o conteúdo que não foi
notado ou aprendido por aqueles que não pertencem a nenhuma linhagem.
अभिनवगुप्तस्य कृतिः सेयं यस्योदिता गुरुभिराख्या ।
त्रिनयनचरणसरोरुहचिन्तनलब्धप्रसिद्धिरिति ॥२०॥
abhinavaguptasya kṛitiḥ seyaṃ yasyoditā
gurubhirākhyā |
trinayanacaraṇasaroruhacintanalabdhaprasiddhiriti ||20||
Este é o trabalho de Abhinavagupta, um homem que alcançou a perfeição
suprema, meditando aos pés de lótus do Senhor de Três Olhos,[48]
conforme ensinado por seu Mestre.
श्रीशम्भुनाथभास्करचरणनिपातप्रभापगतस्सञ्कोचम् ।
अभिनवगुप्तहृदम्बुजमेतद्विचिनुत महेशपूजनहेतोः॥२१॥
śrīśambhunāthabhāskaracaraṇanipātaprabhāpagatassaṅkocam |
abhinavaguptahṛdambujametadvicinuta
maheśapūjanahetoḥ ||21||
A fim de adorar o Senhor,[49]
eis que o lótus do coração de Abhinavagupta, cuja ignorância foi erradicada
pelos raios solares dos pés de Śambhunātha, floresceu.
[1] O verso-semente que serve como o selo de assinatura e invocação para as
obras de Abhinavagupta na tradição Anuttara Trika Kula. Evocando a
imagem divina de Śiva e Śakti, as camadas de significado poético nesse verso
servem para refrescar e voltar a despertar tanto no falante quanto no ouvinte o
estado de consciência de Deus a partir do qual o Tantrāloka foi
composto. Os versos 1 a 21 são invocações, saudações aos mestres e gurus.
[2] Abhinava.
[3] Gupta.
[4] Kula.
[5] Amṛta.
[6] Anuttara.
[7] Visarga.
[8] Eu optei por fazer outra tradução
deste verso inicial: Deixe meu coração pulsar no que é puro, cuja sede pela arte,
é criativo pela união entre Śiva e Śakti. Śakti [mãe Vimalāmbā Devī] que é a
criação, o cosmos e a divina mãe e Śiva [pai Bharitatanu] que, sendo o criador,
expande, mantém e pulsa com Suas cinco bocas, que oferece a bem-aventurança
interna e a expansão externa, cheio de bhāva, visarga e anuttara.
[9] A atividade sempre criativa da
Consciência, Consciência Suprema espontânea, parā-śakti (unidade).
[10] Os três estados da mente ou três
dentes/pontas do tridente são o sujeito, objeto e o meio de conhecimento com
que o sujeito se conecta ao objeto.
[11] Aparā-śakti (diversidade,
dualidade).
[12] A súbita emergência da luz.
[13] Paramaśiva, a Realidade Suprema. Esta
palavra é um acróstico: bha é bharaṇa, que significa manutenção;
ra é ravaṇa, que significa retração da manifestação, projeção;
e va é vamana, que significa projeção do mundo.
[14] O tridente resplandecente da
Consciência.
[15] Āṇava-mala (contração da
vontade, iccha), māyīya-mala (contração do conhecimento, jñāna)
e kārma-mala (contração da ação, kriyā).
[16] Satpakṣa e vipakṣa.
[17] Vibhu.
[18] Svātantrya
[19] Krama.
[20] Anuttara.
[21] Nijasthiti.
[22] Cakreśvara.
[23] Saṃvit, Consciência Universal,
Consciência Suprema onde existe a fusão completa entre prakaśa (Śiva) e vimarśa
(Śakti), jñāna-śakti, svātantrya-śakti.
[24] Literalmente, pescador.
[25] Māyā, o poder de fazer o mundo
finito, o princípio que limita e estabelece condições dualistas sobre o Todo.
[26] Rāga, paixão, desejo, apego. Um
dos kañcukas (véus) de māyā, por conta de haver limitação pelo
desejo.
[27] Kalā, parte, agente limitador.
É falsa
noção de que há coisas que são possíveis de realizar e outras que são impossíveis.
[28] Granthi, pensamento modificado,
alterado, equivocado.
[29] Bil, terra do desfrute, da
satisfação dos prazeres, o mundo.
[30] Trayambaka ou Trayambakāditya é o
filho do sábio Durvāsā. Nos tempos antigos, os mistérios das śaivāgamas
repousavam nas bocas dos sábios. Na kaliyuga, as śaivāgamas
tornaram-se raras. Por conta disso, o Senhor Mahādeva (Śiva), na forma de Śrīkaṇṭha,
no intuito de abençoar a humanidade, inspirou Durvāsā a criar escrituras que
não poderiam ser destruídas. Para tal propósito, Durvāsā projetou através de
sua pura consciência o seu filho, Trayambaka. No último capítulo do Tantrāloka,
Abhinavagupta diz que somente dois mestres (ou professores) estavam
qualificados a ensinar o Śaivismo: Lakulīśa e Śrīkaṇṭha. Do primeiro
originou-se a tradição Pāśupata. Śrīkaṇṭha projetou de si mesmo três
seres perfeitos: Trayambaka, Āmardaka e Śrīnātha. Eles foram os responsáveis
por propagar a doutrina śaiva da não-dualidade (abheda),
dualidade (bheda) e a dualidade na não-dualidade (bhedābheda).
Importante de se notar aqui, é que a filha de Trayambaka fundou uma quarta
escola, conhecida como Ardhatryambaka, identificada como a tradição Kaula.
[31] Escritura, śāstra.
[32] Literalmente, o deus do lótus.
Utpaladeva foi o autor da Īśvarapratyabhijñākārikā (As Estâncias do Reconhecimento de Deus). Ele inaugurou a escola Pratyabhijñā, que representa a expressão máxima do Śaivismo monista, sistematicamente elaborado em uma teologia
racional de Śiva e uma
filosofia de absoluta consciência com a qual Ele é identificado. Utpaladeva
compreendeu que a experiência máxima da iluminação consiste de um profundo e
irreversível reconhecimento de que a verdadeira natureza humana é Śiva em Si-mesmo. Ele diz: O homem
cego pela ignorância (māyā) e confinado por suas ações (karma) é agrilhoado na
roda de nascimentos e mortes, mas quando o conhecimento inspira o
reconhecimento de sua divina soberania e poder (aiśvarya), ele, completamente
consciente, torna-se uma alma liberada. De
acordo com Utpaladeva, a alma é confinada porque se esqueceu de sua autêntica
identidade e pode somente alcançar a liberação, o mais elevado objetivo da
vida, pelo reconhecimento de sua verdadeira natureza universal.
[33] O professor de
Utpaladeva foi Somānanda cuja Visão de Śiva (Śivadṛṣṭi) fora o primeiro trabalho da escola do Reconhecimento. Somānanda viveu no final
do Séc. IX d.C. e foi, ele mesmo diz, o décimo nono na linha de sucessão de
Trayambhaka. Trayambhaka, de acordo com Somānanda, foi o filho nascido da mente de Durvāsā, quem
lhe ensinou os princípios do monismo Śaiva
após tê-los aprendido direjtamente de Śrīkaṇṭha
no Monte Kailāsa. Trayambhaka figura novamente em outro relato, desta vez em um
que se refere a origem da tradição Trika.
O relato é o mesmo da nota 30 acima: De acordo com esta história, Durvāsā foi
instruído por Śrīkaṇṭha a espalhar a sabedoria Trika (ṣaḍardhakrama) a qual é a essência do segredo de todas as escrituras Śaivas.
Durvāsā então gerou de sua mente tres yogīs
perfeitos: Trayambhaka, Āmardaka e Śrīnātha,
que, respectivamente, revelaram a doutrina Śaiva da não-dualidade, dualidade, e não-dualidade com dualidade. Destes, a linhagem (sampradāya) fundada por Trayambhaka que transmite a doutrina
monista do Śaivismo não é outra senão
a Trika. Acima este relato esteve
conectado a fundação da tradição Kaula. Para sanar essa dúvida,
Jayaratha, o mais proeminente comentador do Tantrāloka, mantém que a
tradição Kaula originou-se da filha de Trayambhaka (como mencionado na
nota 30) e foi identificada como kula-prakriyā. Aqui ele faz uma
distinção com a linhagem tantra-prakriyā que, segundo ele, se refere aos
ensinamentos não-dualistas oriundos de Trayambhaka, ou seja, a escola Trika.
[34] O primeiro movimento de Śiva e Śakti
em direção a manifestação, quando Śakti preenche todo o universo com nādānta.
Neste ponto ela é chamada de nāda. É a experiência do som sibilante da kuṇḍalinī-śakti
na suṣumṇā-nāḍī. Também, sadāśiva-tattva no esquema dos 36
princípios de manifestação do universo.
[35] Āsvāda e āveśa.
[36] O triplo significado de que nada é
superior a este caminho.
[37] Paddhati.
[38] Krama.
[39] Brahmacāris.
[40] Prakriyā.
[41] Os versos 13, 14 e 15 devem ser lidos
e interpretados em conjunto.
[42] I.e., Śambhunāta.
[43] No Tantrāloka.
[44] Śiva Śaṅkara.
[45] Idem.
[46] Śāstra, escritura; Trika,
sistema de filosofia da tríade Śiva, Śakti e Nara ou parā,
parāpara e apara.
[47] Tattva, princípio, realidade, a
essência de algo.
[48] Śiva.
[49] Maheśa.
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