Yoga vs Ego Yoga = Postura vs Pose
Por Fernando Liguori
Um artigo da série Yoga,
Espiritualidade & Moralidade
EM 2009 eu comecei a escrever uma série de artigos
sobre aquilo que Patañjali definiu como mahāvratam
(o grande voto) no aforismo 31 do segundo capítulo de sua magna obra, o Yogasūtra. Iniciamos a jornada com dois
artigos sobre brahmacarya, com um
terceiro em 2011.1 Na seqüência sobre o grande voto de Patañjali,
iniciamos outra série de artigos sobre satya.2
O presente escrito é um texto da série de artigos sobre satya, a veracidade. Aqui, de maneira breve, procuramos nos
concentrar na atual forma mentirosa
de se praticar o Yoga, mas também
reservamos um espaço para a solução do problema.
No artigo anterior, Yoga Postural não é Yoga, é Ego Yoga, postulamos que no Ocidente a
prática de āsana foi
descaracterizada. A postura, que deveria revelar a nossa natureza interior,
tornou-se pose, o que fortifica o ego, o que é, portanto, uma forma hipócrita e
fingida de se praticar o Yoga, ou
pelo menos suas posturas. Assim, vamos nos concentrar novamente neste tema, a
prática das posturas ou poses do Yoga.
Mas o que é uma pose?
No contexto do Yoga, pose denota uma
demonstração corporal, algo que gostaríamos de mostrar a outras pessoas. Nessa
condição, estamos dependendo da avaliação de terceiros para obter sucesso,
fortificando assim a estrutura egóica. Portanto, quando praticamos poses de yoga, estamos cultivando a
artificialidade, o fingimento e a simulação.
E o que é uma postura?
Também no contexto do Yoga, postura
denota a atitude de se realizar uma ação com menor esforço possível. A ação da
postura está conectada a sua execução e nada mais. Não existe o desejo de
impressionar terceiros ou conquistar status.
Portanto, postura é uma atitude, um
comportamento que, segundo Patañjali, é estável, cujo esforço é relaxado.
Estável, aqui, denota imobilidade. Mas essa imobilidade não é inatividade. A
ação que está por trás da imobilidade é o que podemos chamar de Yoga.
Portanto, o foco exclusivo na aptidão física e na
aparência de muitos pretensos professores de Yoga, que deliberadamente ignoram a ancestralidade espiritual desta
tradição, pode ser classificado como um tipo de fingimento e, por essa razão,
uma mentira. O que existe é uma hipocrisia deliberada no movimento
contemporâneo do Yoga. Assim como em
todas as áreas de nossa sociedade atual, o que circula no meio do Yoga enlatado contemporâneo é um
relativismo moral que, como mencionei nos escritos anteriores desta série, é
baseado em meias verdades e inviável como postura filosófica. O que vejo no
movimento do Yoga atual é aquilo que
chamei de conveniência profissional,
i.e. para muitos professores de Yoga,
a verdade (satya) é o que é
conveniente. A palavra sânscrita satya
(veracidade), tem relação com Sat,
que podemos traduzir como Realidade
ou Ser. O Yoga ensina que a condição da veracidade produz a verdade e esta,
como uma virtude intrínseca ao Ser, é uma conduta a ser cultivada em todos os
níveis da prática yogī.
O Yoga
também ensina que o vício é um hábito que surge de uma mente não disciplinada.
Através do discernimento (viveka),
podemos cultivar uma mente virtuosa, que tenda de modo natural para
transcendência do ego, o cultivo da veracidade. A veracidade purifica a mente e
uma mente purificada está livre de programas mentais, repousando de forma
espontânea na Realidade ou Verdade.
Como cultivamos, sob um ponto de vista espiritual, uma
prática saudável de āsanas? A
resposta é aquilo que chamamos de āsana-pratyāhāra.
Āsana Pratyāhāra
Āsana ou a postura do Yoga tem sido tema de estudo e pesquisas
por muitos mestres, tradições e pesquisadores ocidentais, tanto no campo
filosófico quanto no fisiológico.
Em um artigo anterior, nós postulamos que de acordo
com os primeiros śāstras, o objetivo
do āsana é revelar a verdadeira
natureza de cada um de nós. A prática de āsanas
deve conduzir a um estado de interiorização que permita a cada um de nós sondar
os recessos mais profundos de nossa mente. Essa prática é conhecida como āsana-pratyāhāra, pois sua execução
retira a mente das distrações e apegos do exterior, conectando-a com a postura.
Isso aumenta a consciência e o poder de foco da mente.
De acordo com os ensinamentos dos antigos ṛṣīs e munis, a prática de āsana
opera com as multi-camadas da mente, aspectos profundos de nosso ser. Em termos
simples, nós podemos dizer que as posturas do Yoga exercem influência em níveis físico, mental e espiritual;
podemos dizer também grosseiro, sutil e causal ou desperto, sonhando e
dormindo. Mas a tradição do Yoga
chama estas três dimensões de annamaya-kośa, manomaya-kośa e prāṇamaya-kośa. A prática de āsana-pratyāhāra
atua diretamente no manomaya-kośa, o
que nos permite conhecer o movimento, natureza, qualidade, intensidade,
resistência, força e fraqueza da mente.
A experiência inicial de āsana-pratyāhāra é um profundo relaxamento experimentado durante
sua execução e a tranqüilidade e paz de espírito que se desenvolve lentamente
com a prática. Os āsanas começam a
trabalhar todas as tensões armazenadas no corpo e na consciência, liberando-as
gradativamente. Com o progresso na prática ocorre o desvelar dos
condicionamentos de nossa mente e a partir daí nos tornamos mais conscientes
dos padrões condicionados que regem nossa vida, podendo trabalhá-los de forma
progressiva e terapêutica. Este autoconhecimento permite que nós possamos sair
do modo de reação e começar a trabalhar a consciência em outros níveis para
despertar as potencialidades internas de nosso Ser.
A ênfase primordial é a consciência interna. Os āsanas, na maioria das vezes, são feitos
exclusivamente com os olhos fechados, o que sensibiliza e direciona a
consciência para o interior. Portanto, não é um estilo de Yoga físico ou postural. O foco da prática está na experiência
interior ao invés do desempenho exterior. É um aprofundamento da consciência
realizado durante a prática de āsanas,
mantendo a consciência interior e total atenção naquilo que se está sentindo a
partir de dentro. Este é o conceito de āsana-pratyāhāra.
Sua prática interioriza a experiência externa dos sentidos, o que impede a
dispersão mental e aumenta o poder da mente em se concentrar e manter o foco no
objeto requerido. Aqui começa o dhāraṇā.
Anotações
1. Os artigos são: Yoga,
Espiritualidade & Moralidade (2009), Tantra, Neotantrismo & Brahmacarya (2009) como um adendo ao
primeiro e Gṛhastha
Brahmacarya & o Despertar da Śakti (2011). Todos estes artigos estão disponíveis no blog
do autor. Em 2012 um quarto artigo na seqüência sobre brahmacarya será publicado: Gṛhastha
Brahmacarya: A Sexualidade Espiritual do Yogī.
2. Os artigos são: Veracidade
Yogī vs Conveniência Profissional (2010) e Yoga Postural não é Yoga, é Ego Yoga (2011). O primeiro artigo não
foi ainda publicado, o autor acredita que muitas das idéias e alegações podem,
de certa maneira, causar transtornos inoportunos com relação a outros
profissionais da área. O artigo é uma crítica a posição estritamente física que
alguns profissionais conduzem o Yoga,
ignorando deliberadamente a ancoragem espiritual desta antiga disciplina. Por
essa razão, convenientemente chamamos esse tipo de “yoga” de ego-yoga ou o yoga da mentira, o yoga
da hipocrisia e do fingimento. O segundo artigo, bem menos provocante, está à
disposição no blog do autor. O presente texto, Yoga vs Ego Yoga = Postura vs Pose é o terceiro artigo na série
sobre satya, a veracidade.
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