ज्ञानाधिष्ठानं मातृका - jñānādhiṣṭhānaṁ mātṛkā
शिव सूत्र
Śivasūtra
Sūtra 4
ज्ञानाधिष्ठानं मातृका
jñānādhiṣṭhānaṁ mātṛkā
ज्ञाना – jñāna: conhecimento limitado;
आधिष्ठान – ādhiṣṭhānaṁ: base, assento (do conhecimento limitado);
मातृका – mātṛkā: a Mãe desconhecida ou incompreendida ou o Poder do Som que corresponde as letras do alfabeto.[1]
Natureza do Sūtra: [Śāmbhavopāya] As três condições limitantes são de um tipo de conhecimento viciado e limitado cuja raiz são as palavras que, por sua vez, têm profunda influência em nossas vidas. Estas palavras são formadas pelas letras que constituem a mātṛkā. A mātṛkā, poranto, forma a base do conhecimento limitado.[2]
Tradução
A fonte da cognição é a mātṛkā[3]
Explicação
Kṣemarāja explica que a Impureza da Individualidade (āṇavamala) que limita a liberdade e o despertar da Consciência, a Impureza de Māyā (māyīyamala) que gera a diversidade e a consciência de distinções relativas e a Impureza da Ação (kārmamala) que acorrenta o indivíduo aos frutos de suas ações, respectivamente, obscurecem o infinito poder da Vontade (iccha), Conhecimento (jñāna) e Ação (kriyā) da Consciência Universal. Este obscurecimento é a condição básica necessária para emergência da percepção (vikalpa) diferenciada. Portanto, este aforismo discute o fator essencial que persiste na formação de representações mentais e o conhecimento empírico que elas tornam possível, i.e. a fala.
É um fato claramente comprovado (siddha) pela experiência pessoal que a fala está intimamente conectada ao pensamento.[4] Ela é o veículo e essência manifesta do pensamento, enquanto que o pensamento é a fonte da fala. Portanto, irremediavelmente, eles estão unidos em todos os aspectos. Representações mentais que ordenam e cadenciam o influxo de sensações e nos apresentam uma magnífica paisagem equilibrada do mundo exterior, a memória, a elaboração de idéias e o inconstante fluxo de emoções estão intimamente conectados a linguagem. Linguagem, quando expressa através da Consciência Iluminada, torna-se a conexão essencial entre o mundo interior e o mundo dos fenômenos materiais. A partir deste ponto de vista até mesmo os animais têm sua própria linguagem na medida em que respondem e interagem com o ambiente que os cercam. Nós poderíamos dizer que o mundo em que vivemos como indivíduos, percebendo e projetando nosso próprio universo interior, é fruto da linguagem. Entender a base da linguagem leva a compreensão da fonte do mundo em que vivemos no dia-a-dia. A Consciência Criativa (vimarśa) através da linguagem se torna aqui muito significativa, pois a virtude de podermos articular nossas intenções e idéias, tanto para nos mesmos quanto para os outros, é aqui determinada como mātṛkā, a Mãe desconhecida de toda manifestação.[5] Abhinavagupta explica:
Mātṛkā é o poder de Bhairava na Sua forma como a Massa de Som (śabdarāśi). Os vários aspectos da objetividade aqui ainda não estão manifestos, mas virão a se manifestar, portanto, ela é chamada de mātṛkā (lit. mãezinha) porque (esta energia) contém em um estado potencial (o universo manifesto como uma expectante) mãe.[6]
Assim, a mātṛkā é igualada ao poder criativo da ação de Śiva.[7] Nascida da vontade de Śiva quando Ele desejou manifestar Seu poder como o alento que anima toda criação, ela é o som interno (anāhata) escutado em um nível elevado de fala (parā vāc) que é tanto a vitalidade (vīrya) de Śiva quanto o poder oculto no mantra. Kṣemarāja cita a Essência dos Tantras (Śrītantrasadbhāva):
Ó amada, todos os mantras consistem de letras e energia é a alma destas (letras). Enquanto a energia é mātṛkā, todos deveriam conhecê-la por ser da natureza de Śiva.[7]
Mātṛkā como energia mântrica é a fonte do mais elevado conhecimento da não-dualidade quando ela atua como o poder de Aghorā Śakti, fazendo o interior e o exterior se manifestar em concordância com sua natureza em toda experiência da consciência liberada.[8] Mātṛkā é também a base de todo conhecimento inferior e limitante associado com o pensamento discursivo quando sua verdadeira natureza é incompreendida, funcionando como o poder de Ghorā Śakti que priva o homem da consciência da unidade e obscurece a Atividade Universal de Śiva. Portanto, Bhāskara, em seu comentário, diz:
Existem duas formas de conhecimento, superior e inferior. Mātṛkā é o poder que suporta ou serve de base para ambos.
Notas:
[1] Este poder se chama Mãe porque produz todo o universo. O sufixo ka em sânscrito dá a idéia de que a palavra na qual ele é adicionado é algo desconhecido ou incompreendido. Portanto, mātṛkā significa a Mãe que não é apropriadamente conhecida ou compreendida. A mātṛkā é a forma sutil da fala. Na verdade, é a natureza última e essencial das letras que é chamada de mātṛkā. Quando desconhecida, a mātṛkā nos impele a todo tipo de atividade mundana conectada aos sentidos. Quando ela é conhecida, i.e. quando seu poder é realizado, nos leva a liberação.
[2] Kṣemarāja diz em seu comentário sobre este aforismo:
Ela (mātṛkā) causa o conhecimento na forma limitada, por exemplo, eu sou imperfeito (āṇavamala), eu sou magro ou gordo (māyīyamala), eu executo o sacrifício agniṣṭoma (kārmamala). Este conhecimento é sutil e, expresso de forma mais concreta (avikalpakasavikalpaka-purāmarśa-mayasya), e pela penetração de distintas palavras na mente [...], trazem o sentimento de dor, orgulho, regosijo e paixão. Veja Ś.Sū.vi., p. 26.
A base para as três malas são as palavras que nos aprisionam nos conflitos das distinções e idéias fragmentadas. As palavras são o reflexo das letras e seu som primordial é conhecido como mātṛkā. Portanto, mātṛkā é responsável pelo conhecimento limitado na forma das três malas. As palavras exercem uma tremenda influência na formação de idéias que nos impedem de realizar o explendor da Consciência de Śiva aprisionada em nós mesmos.
[3] Outras traduções cognatas podem ser: 1. A base da cognição é a mātṛkā; 2. A base do conhecimento limitado é a mātṛkā; 3. E a Mãe não compreendida ou o Poder do Som inerente ao alfabeto é a base do conhecimento limitado (na forma de āṇava, māyīya e kārmamala); 4. A Mãe Universal domina o triplo conhecimento limitado; 5. As letras do alfabeto, de A a KṢ, são a base do conhecimento limitado.
[4] Kṣemarāja escreveu:
O surgimento de representações mentais (pratyaya) consiste do fluxo da consciência cognitiva que é tanto discursiva (vikalpaka) quanto não-discursiva (avikalpaka). Isso não ocorre somente pela fala, quer dizer, sem ser acompanhada pelo aspecto sutil e interno da fala como, por exemplo, eu sei disso ou ao contrário, sem ser associada com o aspecto mais grosseiro da fala. Dessa maneira, até mesmo as intenções dos animais se tornam claras quando fugimos das convenções linguísticas. Dentro de nós mesmos existe uma compreensão interna que comanda um gesto silente com a cabeça e isso é uma expressão da consciência refletiva da fala interior de um entendimento mais profundo. Se isso não fosse verdade, uma criança não conseguiria compreender a indicação inicial de convenção (que conecta a palavra ao seu significado) porque ela seria destituída da consciência interna que distingue uma coisa da outra. Todo constructo mental (vikalpa) é, como cada experiência pessoal comprova, imbuído pela manifestação grosseira da fala. Veja Sp.Nir, p. 71.
[5] ajñātā mātā mātṛkā viśvajananī. Ś.Sū.vi., p. 25.
Swami Lakṣmaṇa Joo diz em seus comentários sobre este aforismo que ajñātā mātā é o estado onde a energia universal é compreendida – e portanto conduzida – de uma maneira equivocada. Quando a energia universal é compreendida de maneira correta, é svātantrya śakti. Quando é conhecida de maneira incorreta, é māyā śakti. Assim, Mātṛkā, a Mãe Universal que rege o conhecimento condicionado na forma das três malas, é ajñātā mātā, na medida em que a energia universal não é compreendida. Mas ela é svātantrya, na medida em que a energia universal é compreendida. Portanto, segundo Swami Lakṣmaṇa Joo, svātantrya é sua verdadeira vontade. Se você se aprisiona ou se liberta, não importa, está nas suas mãos o controle da ação.
Os três tipos de mala (impureza) que foram anteriormente definidos, são: o sentimento de imperfeição (apūrṇam-manyatā), conhecimento discriminativo (bhin-navedyaprathā) e as impressões de prazer e sofrimento (śubhāśubhavāsanā). A regente destas três malas é, portanto, a Mãe Universal (mātṛkā) que permeia todas as letras do alfabeto de a a kṣa. Esta mãe não somente permeia o mundo do alfabeto (vācaka), mas também o mundo objetivo (vācya) formado pelas letras. Vācya significa o mundo ou os objetos criados pelas palavras que, por sua vez, são a combinação das letras ou o poder inerente a elas.
Quando a energia universal reside no campo de Māyā, adquire o conhecimento discriminativo e constritivo. De forma limitada, ela induz a pensamentos como eu não sou completo, eu sou fraco, eu sou a única pessoa afortunada no mundo, eu sou um grande mestre, eu tenho muitos discípulos, eu sou um professor renomado mundialmente, etc. Por estas palavras, letras e objetos, uma pessoa pode se sentir triste, magoada, aflita; às vezes maravilhada, feliz e ao mesmo tempo com raiva e apegada. O que acontece então com uma vítima assim? A Mãe (mātṛkā) faz algo terrível: ela faz desta vítima seu brinquedinho.
A Mãe Universal (citi* mātṛkā) reside no centro do brahmarandhra.** Ao redor desta Mãe, sentados aos seus pés, estão os órgãos de percepção, os órgãos da ação, a mente, o intelecto e o ego (pīṭheśvari).*** Estes pīṭheśvaris se tornam terríveis (mahāghorā)**** pois eles, a cada momento, invariavelmente criam a ilusão e continuamente se esforçam para manter aprisionada consciência. Aqui, a Mãe é o fator essencial e os pīṭheśvaris são seus agentes.
* Citi significa Consciência.
** O brahmarandhra é uma abertura sutil no topo do crânio que é perfurada pela força de cit-kuṇḍalinī quando ela ascende desde o mūlādhāra-cakra pelo canal central (suṣumnā-nāḍī). Tendo penetrado nesta abertura sutil, ela se move do corpo para o universo, o grande éter da Consciência.
*** Estes são os pīṭheśvaris para aquele que se tornou um joguete nas mãos da Mãe. Aquele que assuime a consciência do jogo não mais torna-se um brinquedo nas mãos da Mãe. Ele existe no estado de Consciência.
**** Segundo Kṣemarāja, as Mahāghorā Śaktis são as deidades que presidem os pīṭhas, i.e. os assentos ou órgãos dos sentidos para estas Śaktis. Elas são de três tipos: 1. Ghorā são as Śaktis que provêem os prazeres mundanos ao homem colocando obstáculos em seu progresso espiritual; 2. Ghoratarī são as Śaktis que iludem a mente inferior orientada para o exterior, dirigindo-a cada vez mais em direção ao apego do mundo; 3. Aghorā são as Śaktis que inspiram o jīva (alma individual) ao caminho da liberação.
[6] TĀ., 15/130b-131a.
[7] N.T., 21/38.
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