Conscientização Ambiental pela pratica do Yoga Verde
Por Fernando Liguori
ATUALMENTE existe um movimento yogī que está ressurgindo com uma nova maneira de
enxergar o mundo. Quando digo ressurgindo
quero dizer que, em meio à catastrófica interpretação ocidental acerca do Yoga, este movimento vem despertando no
coração de muitos yogīs sinceros uma nova maneira de se relacionar com o meio que os
cercam. Essa nova maneira de enxergar o mundo não é nova em realidade, mas tão
antiga quanto o próprio Yoga e, assim
como essa tradição, foi deturpada no percurso dos tempos.
Quando percebemos a unidade, interconectividade e
interdependência entre todos os seres sensientes, surge do âmago de nosso ser
uma responsabilidade mais profunda diante da vida. Assim, nossa relação com o
meio ambiente (plantas, animais, ar, rios, seres humanos etc.) torna-se,
gradualmente, mais consciênte.
Este novo movimento yogī,
denominado Yoga Verde,1
acretita que é um fato inegável que nós, praticantes de Yoga, temos uma responsabilidade pessoal pela preservação e
materialização de um futuro sadio para as próximas gerações. Uma das premissas
centrais para que isso possa ser efetivado se segue: todos os seres vivos têm, em princpípio, o mesmo direito à vida.
Esta é uma das idéias centrais desta nova
propósta de visão da realidade cujas noções são igualdade e fraternidade
aplicadas a todas as formas de vida vistas como portadores do mesmo valor intrínseco.
Quais são as implicações deste igualitarismo radical?
Se todos os seres vivos têm, em princípio, igual direito à vida, esta verdade
inclui tanto o yogī que faz suas práticas no alto de uma montanha como a grama
que é machucada por seus pés, enquanto realiza āsana-s. Haveria aí uma incoerência?
Bem, eu venho ferindo continuamente milhares de
indivíduos da pequena grama (Stenotaphrum secundatum) dos jardins da
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) quando ministro, junto a minha
esposa, aulas de Yoga Verde; venho
ferindo também o cerrado rupestre (Kielmeyera rubriflora) de Ibitipoca em minhas
práticas e caminhadas ecológicas. Contudo, não justifico meu comportamento
adotando a tese de que estes seres vivos
têm menos direito à vida, ou menor valor intrínseco – como seres vivos – do que
os seres humanos. É simplesmente impossível viver em certas regiões sem pisar
em algumas plantas, assim como é impossível praticar āsana-s na grama sem machucá-la.
Outra questão é: como podemos nos alimentar sem ferir
o princípio do igualitarismo postulado acima?
O filósofo e escritor Allan Watts, um exímio estudante
da religião comparada, afirmava ser vegetariano porque as vacas gritam mais alto que as cenouras. Com esta alegação
ele queria dizer que os vegetais devorados por nós também são seres vivos. A
lei da igualdade universal entre
todos os seres indica a necessidade de causar
o menor dano possível, quando o dano for necessário. Prabhat Rainjan
Sarkar, também conhecido como Śrī Śrī Ānandamūrti, fundador da organização socioespiritual Ānanda Mārga, enfatiza que na medida do possível, os alimentos devem
ser selecionados dentre aqueles seres que têm consciência muito pouco
desenvolvida, isto é, se os vegetais estiverem disponíveis, os animais não
devem ser abatidos. [...] antes de se abater um animal [...] deve-se considerar
se é possível viver uma vida saudável sem sacrificar tal animal.2
As plantas não são capazes de sentir a mesma dor dos animais. O arroz, feijão,
trigo e verduras, entre muitas plantas, possuem um determinado ciclo vital que
já está praticamente encerrado no momento de serem colhidos pelo homem. Sem
falar no mel e principalmente nas frutas, alimento puramente sattvíco tão fundamental a estabilidade
e equilíbrio do yogī.3
O corpo humano é cosntituído de inúmeras células vivas. Estas
células crescem e se desenvolvem com o auxílio de entidades vivas similares. A
natureza das células vivas será formada de acordo com o tipo de alimento
ingerido. Em última análise, todos estes aspectos afetarão a mente. Se as
células do corpo humano se desenvolvem a partir de alimentos podres ou da carne
de animais nas quais predominam as tendências tamásicas e rajásicas
mais inferiores, é natural que a mente seja saturada com estas tendências. O
hábito de se comer (leia-se consumir) qualquer coisa disponível, sem fazer o
devido discernimento digno a um praticante de Yoga, não pode ser apoiado de modo algum. O Yoga Verde preza pela conduta sattívica,
pois nela estão assentados os princípios fundamentais da prática yogī. É por meio desta conduta que o yogī desenvolve o discernimento (viveka), que ativa a mente superior (buddhi) ou a faculdade da sabedoria. Buddhi vem da palavra budh (despertar ou estar desperto) e é a
mesma raiz a partir da qual deriva o partícipio passado Buddha, i.e. desperto.
Portanto, o discenimento, a lucidez, são fatores primordiais na transformação
da consciência; por este motivo devemos cultivá-lo em todos os momentos de
nossa existência.
Georg e Brenda Feuerstein são os principais articuladores do Yoga Verde, um movimento que hoje está
presente em muitos países. Eles vêm promovendo na comunidade yogī uma série de seminários e workshops através do Green Yoga Initiative [Iniciativa Yoga
Verde]. É um trabalho de conscientização ambiental e ecológica. Convencidos de
que a destruição dos sistemas naturais – que tornam a vida possível – é uma das
principais fontes de anciedade nos tempos atuais, eles criaram dinâmicas de grupo,
práticas espirituais, meditações etc., para que os praticantes de Yoga pudessem ouvir em si mesmos o som da Terra chorando. Estas práticas de Yoga Verde incluem diálogos com rios,
montanhas, nuvens, plantas, animais e todas as criaturas sensientes.
Uma das propóstas fundamentais do Yoga Verde é derrubar o aparente muro de insensibilidade que
acomete os praticantes de Yoga. Eu
chamo isso de apatia yogī diante da
ameaça ecológica. Muitos pensam que os praticantes de Yoga não mudam sua postura ética e filosófica perante o meio
ambiente porque não tiveram acesso à informação. Mas isso não é real; a apatia
não vem da ignorância ou indiferença. A maior parte de nós está profundamente
consciente da destruição do planeta, mas não somos capazes de enfrentar este
fato, não reagimos porque temos medo de experimentar o desespero que esta
informação nos apresenta. Portanto, temos a nossa frente um dilema: como
transcender um nível de denúncia que, embora sério e real, desperta um medo
paralizante, imobiliza o cidadão ou, às vezes, estimula um fatalismo passivo e
até cômodo? E isso porque verdadeiros tabus foram erguidos para bloquear a
expressão desta angústia.
Essa impossibilidade de sentir – muitas vezes traduzida em
uma prática de Yoga estéril e amorfa
– que acomete o praticante de Yoga
tem conseqüências negativas, empobrecendo sua percepção da realidade. Isso
diminui a capacidade de processar e responder às informações que recebe sobre o
problema planetário ou qualquer outra questão vital; pior ainda, aquela intuição
ou insight tão necessária a
transcendência do complexo ego-personalidade torna-se completamente aniquilada.
Em seu Yogasūtra
(II: 15) Patañjali afirma que tudo é
sofrimento [duḥkha] para aquele que discerne. A palavra
“discernir” (vivekin), como acima
demonstrado, nos mostra que devemos ser dotados de um grau de sensibilidade
mental, ou discernimento, para reconhecer que todas as circunstâncias incluem
um elemento de sofrimento, pois seu resultado, em nós, é um estado de anseio,
passada a experiência. Em sua magnífica experiência mística, Śāmbhavī Lorain
Chopra nos relembra que a menos que nos
aprofundemos em nosso sofrimento, não podemos nos livrar do aprisionamento da
vida.4 Sem a dor intensa de quem vive pessoalmente a destruição
da vida no planeta, a rotina cômoda não se repetiria. Contudo, o desespero, sem
a vivência do poder transcendente da pratica do Yoga, seria tão paralisador quanto a indiferença.
O pó de rochas produzido pelas geleiras de muito tempo atrás
demorou 25.000 anos para transformar-se em solo fértil; mas nos Estados Unidos
metade desse solo vivo já foi destruído, e isso em apenas 150 anos. Contudo,
lançar dados estatísticos como este na mente dos praticantes de Yoga tem muito pouca utilidade, mas
promover práticas espirituais como a vocalização mântrica e o cântico de kīrtans ao redor do forgo sagrado,
danças sagradas como bhanjan, tāndava e kaoshiki, a realizações de
meditações prāṇāyāmas e āsanas etc., na
natureza, pode trazer a compreensão necessária para os níveis mais profundos da
consciência, criando no âmago de cada praticante, uma forte conexão com a Mãe
Terra.
As experiências em grupo na prática de Yoga Verde vêm demonstrando que às informações sobre a destruição
ambiental no planeta correspondem a fortes sentimentos de tristeza, desespero e
raiva. Mas que estes sentimentos podem ser confrontados, vividos e canalizados
criativamente. Em vez de sentirem-se esmagados pela angústia, os praticantes de
Yoga Verde sentem muito mais energia,
contentamento e criatividade. Pela prática, o desbloqueio de tais sentimentos
possibilita experimentar a interconexão fundamental entre todos os seres
sensientes. Desta maneira, abrem-se as portas para um novo modo de vida. O Yoga Verde vê toda a vida como um único
fluxo, cuja subdivisão em entidades individuais é ilusória. Portanto, sua
prática procura ampliar cada vez mais a autopercepção humana, de modo que ela
inclua o ambiente natural e outras formas de vida.
Em 1855 o cacique Seattle, em resposta ao presidente
norte-americano Franklin Pierce que
pretendia comprar (leia-se apropriar) as terra indígenas da tribo Duwamish, do Estado de Washington, disse: Os cumes rochosos, os sulcos úmidos nas campinas, o calor do corpo do
potro, e o homem – todos pertemcem à mesma família. [...] Esta água brilhante que corre nos rios e regatos não é apenas água, mas
sim o sangue de nossos ancestrais. [...] O murmúrio das águas é a voz de meus
ancestrais.5 Identificando-se pessoalmente com os rios, e ouvindo o
murmúrio das águas como a voz de seus antepassados, o chefe indígena rompia
simultaneamente com as noções de espaço-tempo da civilização ocidental
materialista. Ver o espaço-tempo como realidades amplas e não-compartimentadas
é um dos aspectos centrais do Yoga Verde.
Só com uma visão fragmentada da realidade é que poderíamos aceitar a lógica da
sociedade atual como algo natural.
Portanto, um dos exercícios de meditação do Yoga Verde consiste em ver-se como parte
dos grandes ciclos naturais intercomunicados da água, do solo e do ar. Nosso
sangue é água, bebida direta ou indiretamente dos rios, e a ele voltará. A água
está presente na lágrima, no muco, no suor e na linfa humana. Está lá, mas não
para sempre. Ela passa pelo corpo humano, pelo rio, pelo oceano, pela nuvem,
pelo solo, pelo lençol subterrâneo e pelo regato. O solo está presente no corpo
físico, porque dele vem todo alimento e a substância das nossas células.
Ingerimos, absorvemos e excretamos a terra. Somos feitos dela. O ar,
matéria-prima do alento vital, sem o qual sobrevivemos, é o meio pelo qual se
dá a troca mais imediata com o meio. É ele quem traz, para nós, o alimento prânico essencial.
Que este opúsculo de meditação possa ajudar muitos
praticantes a se conscientizarem da atual situação em que nos encontramos e que
eles possam ter forças para agir. Peço a presença do espírito de Gaia no coração de cada um, orando
sempre para que o sopro da vida continue a habitar nossa casa planetária.
Fernando Liguori
Diretor do Movimento
Yogī Ambiental
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Anotações
1. O termo Yoga
Verde foi cunhado por Georg e Brenda Feuerstein pela primeira vez no livro Green Yoga, publicado pelo Traditional Yoga Studies (TYS), 2007.
2. Prabhat Rainjan Sarkar, Um Guia para Conduta Humana, p. 18. Ānanda Mārga
Publicações, 2001.
Esse pequeno livreto fala acerca daquilo que Patañjali chamou de mahāvratam (o grande voto) em seu Yogasūtra (II: 31): Quando estes refreamentos não dependem das condições de tempo, lugar e
condição de nascimento, e se estendem a todas as coisas terrestres, são
denominados “o grande voto”. Trata-se dos cinco refreamentos conhecidos
como yama-s aos praticantes de Yoga. Contudo, o pensamento de Sarkar
sobre os yamas, principalmente no
primeiro e mais importante, ahiṃsā (não ferir), não parece ser tão lúcido, ao
passo que reflete, de certa maneira, a postura revolucionária de seus
ensinamentos e portanto da organização por ele fundada que, na década de 70,
pegou em armas para lutar contra os
comunistas. Ele enfatiza, no mesmo texto (p. 17) que o significado de ahiṃsā se limita a assegurar-se
de que seus pensamentos ou ações não causem dor ou injustiça a alguem, e
que a manutenção da vida implica a
destruição de certas formas de vida inferiores (p. 18). Ao defender a idéia
de que a atitude em prol da não-violência
somente para não admitir a própria fraqueza frente ao opositor deve servir a um
propósito político, porém não garante a santidade da retidão (p. 17),
explicando sobre o dilema vivido por Arjuna na batalha de Kurukṣetra, nega a verdadeira essência da
estabilidade do dharma no planeta
assim como do svadharma de cada ser
vivo. Este é um assunto extenso em demasia para ser tratado aqui e sua extensão
fugiria ao escopo desta apresentação.
3. Como acima mencionado, o fator predominante na
natureza é a interdependência. É um fato que a existência humana implica, de
qualquer modo, uma restrição a outras formas de vida. Mas essa é uma acomodação
recíproca entre as espécies que produz benefícios mútuos e é condição
inevitável a vida física.
4. Śāmbhavī
Lorain Chopra, Yoginī, Revelando a Deusa
Interior. Log On Editora Multimídia, 2008.
5. Esta carta
foi escrita, em 1855, por um índio norte-americano, de nome Seattle, cacique da
tribo Duwamish, para o então Presidente dos Estados Unidos, Franklin Pierce. A
carta pode ser visualizada na web no seguinte endereço:
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