शिव सूत्र - Śivasūtra
शिव सूत्र
Śivasūtra
. INTRODUÇÃO .
Um estudo realizado pelo Espaço Kaula :: Tantra, Yoga & Āyurveda
Por Anuttara Kulācārya & Māḷikā
[O estudo dos sūtras aqui publicados foram retirados da Apostila de Estudo do curso sobre o Śivasūtra realizado pelo Espaço Kaula. As lições foram modificadas para publicação na internet. O estudo ocorre assim: o sūtra sempre segue comentado. Os comentários são baseados nas interpretações de Bhāskara (Vārttika) e de Kṣemarāja (Vimārśinī). No fim do texto há algumas meditações acerca da natureza do sūtra.]
Seção I
शाम्भवोपाय
Śāmbhavopāya[1]
Śāmbhavopāya,[2] como descrita no terceiro capítulo do Tantrāloka, no Tantrasāra e em outras escrituras Śaivas após Abhinavagupta, é a prática (sādhanā) da unidade – a prática de se visualizar toda a criação dentro de si mesmo como um reflexo ou projeção da própria Consciência ou Ser. Em outras palavras, é a prática de identificar a si mesmo com Śiva.
सम्विदात्मनि विश्वोयं भाववर्गः प्रपञ्चवान्।
प्रतिबिम्बतया भाति यस्य विश्वेश्वरो हि सः॥
samvidātmani viśvoyaṁ bhāvavargaḥ prapañcavān |
pratibimbatayā bhāti yasya viśveśvaro hi saḥ ||
Ele é o Senhor do Universo (Viśveśvara ou Śiva) no qual, em sua Consciência, todo o mundo de diferenças aparece como um reflexo.
TĀ III: 268
Essa consciência unitária pressupõe uma metafísica absolutista que mantém que todo o universo é a expansão do Altíssimo na forma de aparência ou reflexo da Consciência. Por isso Abhinavagupta apresenta a doutrina da aparência ou reflexão (Ābhāsavāda ou Pratibimbavāda) sob o título de Śāmbhavopāya.[3] Quando alguém vive esta filosofia – i.e. quando alguém visualiza todo o mundo ao seu redor dentro de si mesmo como a aparência de sua própria consciência – então pode se transformar em um liberto em vida (jīvanmukta).[4]
Em Śāmbhavopāya nós podemos pensar em nossa unidade com o universo de três maneiras:
1. Tudo isso surgiu diante de mim (matta evoditamidam);
2. Tudo isso é refletido em mim (mayyeva pratibimbitam);
3. Isso não é diferente de mim (madabhinnamidam).[6]
Este é um estado de amor universal onde cada um pode sentir-se como uma unidade com todos os elementos – em todos os níveis – ao seu redor.
O conhecimento (parāmarśa) de que todo o mundo é sua própria projeção e, portanto uno consigo mesmo, não é simplesmente uma idéia, um pensamento mecânico meramente deliberado que se repete mentalmente e que, por fim, torna-se automático. Não é um sentimento artificialmente criado, mas ao contrário, é uma realização espontânea (nirvikalpa). A reflexão mental consciente é vikalpa. Aquilo que vem a mente de forma espontânea é nirvikalpa. A reflexão deliberada (vikalpa) acerca da unidade incondicional está associada ao recurso Śāktopāya, conectado a seção II do Śivasūtra, como veremos no decorrer do estudo. No caso do Śāmbhavopāya, esta reflexão espontaneamente brota do interior do adepto (nirvikalpa).[7]
Das três Śhaktis – icchā, jñāna e kriyā – Śāmbhavopāya está associado a icchā, i.e. ao estágio de manifestação de Sadāśiva onde o universo está contido na Consciência na forma de unidade. É por isso que Śāmbhavopāya também é chamado de icchopāya.[8] Icchā, no contexto deste upāya (recurso), implica que no estágio de Śāmbhava o adepto adentra a um estado de completa sintonia com Śiva (Śiva-samāveśa ou Śiva-samādhi) apenas por sua vontade. Tendo cruzado os níveis de pensamento deliberado (bhāvanā), o adepto chega em uma fase que pode adentrar a morada do Senhor Śiva (śivāvasthā) por sua livre vontade.
Considerando a hierarquia do Yoga físico, mental e espiritual, Śāmbhavopāya encontra-se relacionada ao Yoga de nível espiritual. No Yoga espiritual o adepto se livra de toda egoidade e se torna uno com o grande todo. Este é o Yoga do amor universal.
Os upāyas também se relacionam aos desdobramentos da kuṇḍalinī. Desta maneira, Śāmbhavopāya está associado a bodha-kuṇḍalinī, i.e. o despertar da kuṇḍalinī em níveis estritamente espirituais. Neste estágio a kuṇḍalinī é chamada de bodha ou jñāna porque aqui existe a sensação de união com todo o universo e um transbordamento de amor universal, uma característica das almas liberadas.
Como no estágio de Śāmbhavopāya a reflexão e a visualização (parāmarśa) é espontânea (nirvikalpa) e não criada ou adquirida, ele somente é possível de se alcançar quando o adepto adquiriu um elevado estado de purificação após ter passado pelos estágios de Aṇavopāya e Śāktopāya. Em outras palavras, Śāmbhavopāya é o resultado de Aṇavopāya e Śāktopāya.
Este recurso ou método (upāya) é conhecido pelo nome de Caminho de Śambho ou o Caminho de Śiva, pois não exige nenhum artifício que explique o que é o estado de Śiva. Portanto, neste estágio, o adepto se torna um yogī realizado em Śiva sem a utilização de técnicas físicas. O estado de Śiva é percebido naturalmente.
Notas:
[1] Este é o recurso divino. Ele atua dentro da pura consciência indivisível que é reino de Śiva, livre de todas as constrições mentais, a subjetividade que contém em si toda objetividade. Praticando este recurso o yogī é transportado ao nível da Suprema Consciência pelo poderoso e direto estado de consciência desperta que é a realização da graça de Śiva. Através deste recurso ele adquire a identidade com Śiva sem se ater a nenhuma forma de meditação ou prática espiritual física. Portanto, este é o recurso mais avançado no Śaivismo da Caxemira.
[2] Texto extraído do ensaio Os Meios para se atingir Mokṣa segundo o Śaivismo da Caxemira, Fernando Liguori.
[3] Filosofia ou metafísica é tida por Abhinavagupta – e por toda tradição tântrica – como um meio de vida (sādhanā) que leva a realização da realidade interior. Para as mentes ocidentais, isso pode parecer uma confusão entre filosofia e religião. Mas os filósofos indianos consideram que uma acompanha a outra. Eles geralmente perguntam: para que serve a filosofia se ela não pode ser usada na vida?
[5] Ityevaṁ sakalaparāmarśaviśrāntimātrarūpaṁ pratibimbitasamasta-
tattvabhūtabhuvanabhedam ātmānaṁ paśyato nirvikalpatayā śāmbhavena samāveśena jīvanmuktatā. TS 3, p. 19.
[6] matta evotitamidam mayyeva pratibimbitam |
madabhinnamidaṁ ceti tridhopāyaḥ sa śāmbhavaḥ || TĀ III: 280.
[7] (a) tenāvikalpā samvittirbhāvanādyanapekṣinī. TĀ I: 178.
(b) avikalpapathāruḍho. TĀ I: 211.
(c) nirvikalpe parāmarśesśāmbhavopāyayanāmani. TĀ III: 274.
[8] tarādye svaparāmarśe nirvikalpaikadhāmani |
yatsphuret prakaṭam sākṣat tadiccākhyaṁ prakīrtitam || TĀ I: 141.
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