terça-feira, 4 de novembro de 2008

O Sistema Śaiva da Caxemira


[Nota: Tradução livre de João Carlos Barbosa Gonçalves feita a partir do original: Śiva Sūtras, The Yoga of Supreme Identity, de Jaiveva Singh, p. xv-xix. Revisão e edição por Fernando Liguori.]

O sistema Śaiva de filosofia e Yoga é geralmente conhecido como āgama. A palavra āgama designa uma doutrina tradicional ou um sistema que comanda a fé.

O sistema Śaiva é geralmente conhecido como Śiva-śāsana ou Śivāgama. O sistema não-dualista Śaiva da Caxemira é conhecido como Trika-śāsana, Trika-śāstra ou Rahasya-sampradāya. As palavras śāsana e śāstra são muito significativas. Ambas contêm a raiz śāsa, que significa disciplina. Um śāstra ou śāsana na Índia nunca significou meramente uma exposição intelectual de um sistema em particular. É claro que ele expõe os princípios fundamentais de realidade mas ao mesmo tempo estabelece certas regras na base desses princípios, certas normas de conduta que devem ser observadas por aqueles que estudam aquele śāstra específico. Um śāstra não é simplesmente um modo de pensar, mas um modo de viver. A filosofia Śaiva da Caxemira é geralmente chamada de Trika-śāstra, por ser uma filosofia da tríade – (1) Śiva (2) Śakti (3) Nara, a alma limitada ou (1) para – o supremo (2) parāpara – identidade na diferença e (3) apara – diferença.

A literatura do sistema Trika da Caxemira divide-se em três categorias: (1) Āgama Śāstra (2) Spanda Śāstra e (3) Pratyabhijñā Śāstra.

1. Āgama Śāstra

O Āgama Śāstra é considerado como a revelação feita por Śiva. Ele estabelece tanto os princípios como as práticas do sistema. Dentre as obras pertencentes à categoria Āgama, os seguintes Tantras podem ser mencionados:

Mālinīvijaya ou Mālinīvijayottara, Svacchanda, Vijñānabhairava, Mṛgendra, Netra, Rudrayāmala, Śivasūtra, etc.

Muitos deles ensinam a doutrina dualista. O Āgama mais importante do sistema Trika é aquele conhecido como Śivasūtra.

Śivasūtra

A importância dessa obra consiste no fato de que ela foi revelada para controlar os efeitos do dualismo. É geralmente conhecida como Śivopaniṣat-saṅgraha – um compêndio contendo a doutrina secreta revelada por Śiva. Ele foi revelado a Vasugupta.

Há três teorias que dizem respeito à revelação do Śivasūtra a Vasugupta:

1. Kallaṭa, no Spanda-vṛtti, diz que Śiva ensinou o Śivasūtra num sonho a Vasugupta, que morava na montanha Mahādeva, no vale do rio Harvan, atrás dos campos de
Shalimar, próximo a Śrīnagara.

2. Bhāskara diz, no seu Vārtika (comentário) do Śivasūtra, que ele foi revelado a Vasugupta durante um sonho por um siddha (um ser perfeito semi-divino).

3. Kṣemarāja, no seu comentário (Vimārśinī), sustenta que Śiva apareceu para Vasugupta num sonho e disse: Na montanha Mahādeva, a doutrina secreta está inscrita numa pedra. Busque ali a doutrina e ensine àqueles que merecem a graça. Quando acordou, Vasugupta foi ao local e, com um mero toque, uma pedra virou e então ele encontrou o Śivasūtra inscrito.

Aquela pedra é ainda chamada Śaṁkaropala, e se diz que os sūtras foram ali inscritos. A pedra está lá, mas não há vestígios dos sūtras.

São os seguintes pontos em comum com relação às teorias de descobrimento do Śivasūtra.

1. Não há um autor humano dos sūtras. Eles se originaram a partir de Śiva.

2. Eles foram revelados a Vasugupta.

Se eles foram ou não revelados a ele por Śiva, em um sonho ou por um siddha, ou se eles foram encontrados numa pedra a pedido de Śiva, são questões que são irrelevantes para o objetivo principal da revelação.

2. Spanda Śāstra

Ele elabora os princípios manifestados no Śivasūtra, desenvolvendo os detalhes do Śivasūtra principalmente a partir do ponto de vista da Śakti.

A obra principal desse Śāstra é o Spanda-sūtra ou Spanda-Kārikā, como é geralmente conhecido.

Kṣemarāja considera que o Spanda-sūtra foi escrito por Vasugupta. Outros sustentam que ele foi escrito por Kallaṭa, o discípulo de Vasugupta.

3. Pratyabhijñā Śāstra

Aí está contida a filosofia propriamente dita do sistema. Nele se expõe a filosofia Trika por meio de argumentos e discussões.

A primeira obra filosófica é o Śiva-dṛṣṭi, composta por Somānanda. Ele era discípulo de Vasugupta. Ele surgiu no Séc. IX d.C. O Śiva-dṛṣṭi é um trabalho filosófico muito importante. Infelizmente, o texto completo não está disponível. Somānanda compôs um vṛtti (comentário) sobre o Śiva-dṛṣṭi mas não foi ainda localizado.

A obra disponível mais importante desse Śāstra é Pratyabhijñā-sūtra ou Īśvara-pratyabhijñā, de Utpala, que o discípulo de Somānanda. O Pratyabhijñā-sūtra adquiriu tanta importância a ponto o conjunto da filosofia da Caxemira ser conhecido geralmente como Pratyabhijñā-darśana.

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