Introdução ao Estudo de Kuṇḍalinī Yoga
Por Purneś
Consideramos a prática do kuṇḍalinī-yoga como uma extensão do trabalho do haṭha-yoga. As técnicas básicas para realizar as práticas do kuṇḍalinī-yoga estão intimamente
relacionadas com as técnicas do haṭha-yoga. Na verdade, elas são
uma maneira diferente ou mais refinada de se praticar aquilo que aprendemos no haṭha-yoga. Portanto, consideramos
imprescindível a prática de haṭha-yoga antes do kuṇḍalinī-yoga como uma preparação. No
curso que ministramos de kuṇḍalinī-yoga, somente aceitamos
praticantes com dois ou mais anos de prática de haṭha ou professores dessa ciência.
Na Yoga Cudamani
Upaniṣad (v. 109), está escrito:
आसनेन रुजन् हन्ति प्राणायानेम पातकन्
विकारन् मानसन् योगी प्रत्याहारेन मुन्चति
As doenças são destruídas pelos āsanas e os pecados pelo prāṇāyāma. Através
de pratyāhāra o yogī remove as impurezas da mente.
Nesta upaniṣad, um estudo sobre kuṇḍalinī-yoga, este verso inicia a
descrição do ṣadhāṅga-yoga, i.e o Yoga se
Seis Membros, enfatizando o valor de cada aspecto da prática como
pré-requisito ao sādhanā do kuṇḍalinī-yoga.
Os āsanas
removem as doenças porque eles reequilibram e regulam os prāṇas, nāḍīs e cakras. Muitas doenças surgem devido ao desequilíbrio na
infra-estrutura prânica que supre o sistema nervoso, glandular e todos os
outros sistemas corporais e seus órgãos correlatos. Cada āsana está designado a remover determinados bloqueios prânicos das nāḍīs, permitindo que a
energia vital perpasse todo organismo de forma regular e contínua. Os āsanas também estimulam e regulam os cakras, reequilibrando a energia dos prāṇas e nāḍīs nestas áreas. Portanto, a prática regular de āsanas harmoniza e regula os campos de energia no corpo, cujo
resultado, segundo esta upaniṣad, é a remoção de todas as
doenças.
Quando prāṇāyama é praticado como
suplemento ao kuṇḍalinī-yoga, ele torna-se uma ferramenta
muito poderosa no despertar da kuṇḍalinī. Na verdade, a kuṇḍalinī pode ser desperta apenas
pela prática do prāṇāyāma. Mas este verso associa
o prāṇāyāma a remoção dos pecados: prāṇāyāma se torna o fogo
para o combustível do pecado (verso
108).1
O maior obstáculo no despertar espiritual são os bloqueios gerados pelo karma e os saṃskāras armazenados no mais profundo substrato da consciência.
O que estes versos (108 e 109) querem dizer é que, prāṇāyāma, executado como parte do kuṇḍalinī-yoga, se torna o fogo para o combustível dos pecados,
queimando-os, junto com seus karmas.
A retenção respiratória (kumbhaka), é
um requisito importante para o despertar da kuṇḍalinī, pois ela aumenta a
quantidade de prāṇa no organismo e
intensifica a concentração. Neste caminho, a kuṇḍalinī-śakti é rapidamente desperta de sua morada no mūlādhāra-cakra e ascende através da suṣumṇā-nāḍī. Portanto, quando prāṇāyāma é praticado para despertar a kuṇḍalinī, ele leva ao estado meditativo e samādhi,
onde todos os karmas são finalmente
queimados.
Os karmas
são cordas invisíveis que aprisionam nossas almas ao mundo. Nunca estaremos livres
das tendências ordinárias mundanas enquanto os karmas permanecem ativos em nosso interior. Prāṇāyāma é um método de desativar ou queimar os karmas. Portanto, ele sempre foi
considerado pelos yogīs como a grande
ponte que cruza o oceano do saṃsāra.
As impurezas da mente (vikāra) referidas neste verso são inerentes a todos os pensamentos,
memórias, idéias, desejos e aversões. Elas continuam surgindo e se associando
aos objetos e relacionamentos mundanos, ao invés de nos direcionarem ao ātman. Vikāra, aqui, também pode ser compreendido como impressões mentais
dos karmas ou impressões
subliminares. Essas impurezas mentais não podem ser removidas até que possam
ser reconhecidas pelo que elas são. Isso requer um aprofundamento meditativo,
pois vikāra é um processo sutil e
prolífico. Ele cria e recria a si mesmo na mente na medida em que se associa
com cada experiência na vida.
Não é possível reconhecer e identificar essas impurezas
da mente enquanto os sentidos estão externalizados, criando mais associações e
impressões. Portanto, é imperativo impedir esse processo retraindo os sentidos
e a mente (pratyāhāra) dos objetos
externos e internalizando a consciência nas dimensões mais profundas da mente.
Assim, a energia mental que normalmente é dissipada pela mente e os sentidos no
mundo exterior pode ser redirecionada para o interior na medida em que
observamos conscientemente os pensamentos e impressões surgindo dentro da
mente, dos rincões mais profundos e inacessíveis. Dessa maneira, a consciência
é treinada a funcionar atentivamente dentro da mente, como se estivesse do lado
de fora.
A consciência deve ser treinada para perceber o campo
mental e todos os construtos pensamento que surgem nele. Na medida em que a
mente aprende a reconhecer as diferentes impressões (vikāra), sem se associar ou se identificar com elas, o processo de
limpeza mental se inicia. Este é um processo lento e metódico conhecido como citta-śuddhi (purificação mental).
Gradativamente, a consciência observa e descarta cada construto pensamento e
impressões que surgem até que a mente esteja vazia e quieta. Essa é a maneira
pela qual os yogīs removem as
impurezas mentais pela prática de pratyāhāra,
o terceiro membro do ṣadhāṅga-yoga.2
A razão de citar o verso acima e tentar trazer alguma
luz com nosso comentário é enfatizar a base sólida pela qual nós precisamos nos
firmar antes de começar as práticas de kuṇḍalinī-yoga. No curso de nossas
lições tentaremos expor muitos detalhes para uma prática segura.
Anotações
1. प्राणायामो भवेदेवन् पातकेन्धनपावकः
2. Os outros
três membros são: dhāraṇā, dhyāna e samādhi.
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