quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Introdução ao Estudo de Kuṇḍalinī Yoga



Por Purneś 

Consideramos a prática do kuṇḍalinī-yoga como uma extensão do trabalho do haha-yoga. As técnicas básicas para realizar as práticas do kuṇḍalinī-yoga estão intimamente relacionadas com as técnicas do haha-yoga. Na verdade, elas são uma maneira diferente ou mais refinada de se praticar aquilo que aprendemos no haha-yoga. Portanto, consideramos imprescindível a prática de haha-yoga antes do kuṇḍalinī-yoga como uma preparação. No curso que ministramos de kuṇḍalinī-yoga, somente aceitamos praticantes com dois ou mais anos de prática de haha ou professores dessa ciência.

Na Yoga Cudamani Upaniad (v. 109), está escrito:

आसनेन रुजन् हन्ति प्राणायानेम पातकन्
विकारन् मानसन् योगी प्रत्याहारेन मुन्चति

As doenças são destruídas pelos āsanas e os pecados pelo prāāyāma. Através de pratyāhāra o yogī remove as impurezas da mente.

Nesta upaniad, um estudo sobre kuṇḍalinī-yoga, este verso inicia a descrição do adhāga-yoga, i.e o Yoga se Seis Membros, enfatizando o valor de cada aspecto da prática como pré-requisito ao sādhanā do kuṇḍalinī-yoga.

Os āsanas removem as doenças porque eles reequilibram e regulam os prāas, īs e cakras. Muitas doenças surgem devido ao desequilíbrio na infra-estrutura prânica que supre o sistema nervoso, glandular e todos os outros sistemas corporais e seus órgãos correlatos. Cada āsana está designado a remover determinados bloqueios prânicos das īs, permitindo que a energia vital perpasse todo organismo de forma regular e contínua. Os āsanas também estimulam e regulam os cakras, reequilibrando a energia dos prāas e īs nestas áreas. Portanto, a prática regular de āsanas harmoniza e regula os campos de energia no corpo, cujo resultado, segundo esta upaniad, é a remoção de todas as doenças.

Quando prāāyama é praticado como suplemento ao kuṇḍalinī-yoga, ele torna-se uma ferramenta muito poderosa no despertar da kuṇḍalinī. Na verdade, a kuṇḍalinī pode ser desperta apenas pela prática do prāāyāma. Mas este verso associa o prāāyāma a remoção dos pecados: prāāyāma se torna o fogo para o combustível do pecado (verso 108).1 O maior obstáculo no despertar espiritual são os bloqueios gerados pelo karma e os saskāras armazenados no mais profundo substrato da consciência. O que estes versos (108 e 109) querem dizer é que, prāāyāma, executado como parte do kuṇḍalinī-yoga, se torna o fogo para o combustível dos pecados, queimando-os, junto com seus karmas. A retenção respiratória (kumbhaka), é um requisito importante para o despertar da kuṇḍalinī, pois ela aumenta a quantidade de prāa no organismo e intensifica a concentração. Neste caminho, a kuṇḍalinī-śakti é rapidamente desperta de sua morada no mūlādhāra-cakra e ascende através da suumā-ī. Portanto, quando prāāyāma é praticado para despertar a kuṇḍalinī, ele leva ao estado meditativo e samādhi, onde todos os karmas são finalmente queimados.

Os karmas são cordas invisíveis que aprisionam nossas almas ao mundo. Nunca estaremos livres das tendências ordinárias mundanas enquanto os karmas permanecem ativos em nosso interior. Prāāyāma é um método de desativar ou queimar os karmas. Portanto, ele sempre foi considerado pelos yogīs como a grande ponte que cruza o oceano do sasāra.

As impurezas da mente (vikāra) referidas neste verso são inerentes a todos os pensamentos, memórias, idéias, desejos e aversões. Elas continuam surgindo e se associando aos objetos e relacionamentos mundanos, ao invés de nos direcionarem ao ātman. Vikāra, aqui, também pode ser compreendido como impressões mentais dos karmas ou impressões subliminares. Essas impurezas mentais não podem ser removidas até que possam ser reconhecidas pelo que elas são. Isso requer um aprofundamento meditativo, pois vikāra é um processo sutil e prolífico. Ele cria e recria a si mesmo na mente na medida em que se associa com cada experiência na vida.

Não é possível reconhecer e identificar essas impurezas da mente enquanto os sentidos estão externalizados, criando mais associações e impressões. Portanto, é imperativo impedir esse processo retraindo os sentidos e a mente (pratyāhāra) dos objetos externos e internalizando a consciência nas dimensões mais profundas da mente. Assim, a energia mental que normalmente é dissipada pela mente e os sentidos no mundo exterior pode ser redirecionada para o interior na medida em que observamos conscientemente os pensamentos e impressões surgindo dentro da mente, dos rincões mais profundos e inacessíveis. Dessa maneira, a consciência é treinada a funcionar atentivamente dentro da mente, como se estivesse do lado de fora.

A consciência deve ser treinada para perceber o campo mental e todos os construtos pensamento que surgem nele. Na medida em que a mente aprende a reconhecer as diferentes impressões (vikāra), sem se associar ou se identificar com elas, o processo de limpeza mental se inicia. Este é um processo lento e metódico conhecido como citta-śuddhi (purificação mental). Gradativamente, a consciência observa e descarta cada construto pensamento e impressões que surgem até que a mente esteja vazia e quieta. Essa é a maneira pela qual os yogīs removem as impurezas mentais pela prática de pratyāhāra, o terceiro membro do adhāga-yoga.2

A razão de citar o verso acima e tentar trazer alguma luz com nosso comentário é enfatizar a base sólida pela qual nós precisamos nos firmar antes de começar as práticas de kuṇḍalinī-yoga. No curso de nossas lições tentaremos expor muitos detalhes para uma prática segura.


Anotações

1. प्राणायामो भवेदेवन् पातकेन्धनपावकः

2. Os outros três membros são: dhāraā, dhyāna e samādhi.

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