Georg & Brenda Feuerstein e o Yoga Verde
Por
Georg & Brenda Feuerstein
[Tradução
adaptada do artigo “What is Green Yoga” publicada na revista Prana Yoga Journal, n. 17, pág. 54. Este
texto se encontra inserido no artigo “Prática Consciente”, de Patrícia
Ribeiro.]
Em nosso livro Green Yoga [Yoga Verde] apontamos que o Yoga
tradicional é inerentemente verde, ou seja, ecologicamente correto. Por que,
então, falamos especificamente de Yoga
Verde? A resposta é óbvia: porque muito do Yoga contemporâneo é tudo menos verde. Como parte da sociedade
consumista, ele é tratado como commodity
[bem consumível, mercadoria ou conveniência] e representa a mentalidade que o Yoga Verde critica e busca superar.
Compreendemos que poucos
adeptos do Yoga contemporâneo têm, até
agora, descoberto os ensinamentos morais e espirituais do Yoga além do encantamento das posturas físicas.
Entretanto, poderíamos ser
injustos por pensar que eles não mudariam no futuro. O Yoga tem seu poder próprio, e não são poucas as pessoas que têm gradualmente
mudado da mera prática de posturas para um comprometimento profundo da
moralidade do Yoga e da
espiritualidade. Mesmo os “posturistas” radicais são potencialmente capazes de
encontrar seu caminho na moral do Yoga
e na sabedoria espiritual, e desse modo prestar atenção na profunda relevância
ambiental. De fato, se eles considerassem o problema da poluição – uma
preocupação central do ambientalismo –, poderiam compreender que a aspiração
para se atingir a saúde física não pode acontecer se o ar, a água e a terra
estiverem poluídos. Apenas da perspectiva puramente física , esses praticantes
deveriam abraçar o movimento de Yoga
Verde por um ambiente mais saudável.
A definição de saúde só na
forma física é muito limitada. Para uma definição mais ampla, devemos também
considerar o bem-estar mental e espiritual. Afinal, não somos somente corpos,
mas mentes abrangentes com acesso ao que alguns psicólogos chamam de estados ou
realidades “transpessoais” (espirituais). Da perspectiva yogī, a saúde é um tipo de totalidade que vem
quando descobrimos a nossa natureza ou verdade espiritual. Esse tipo de
totalidade sempre fugirá de nós enquanto nos identificarmos com o corpo e a
mente como se fossem coisas independentes.
Desse modo, nosso argumento
vai além da preocupação com o bem-estar material. A devastação ambiental que
testemunhamos hoje é, para nós, primordialmente uma questão moral, por duas
razões: primeiro, nós, humanos, somos a principal causa.
Segundo, nosso estilo de
vida é fonte de sofrimento infinito para inúmeros seres, que não são capazes de
corrigir o fardo que pesa sobre eles. Esses seres são as vítimas principais da
destruição que pode ainda ser nossa própria causa de destruição. A menos que
nós mudemos nossas escolhas, a repercussão de um estilo de vida impensado
inevitavelmente conduzirá a destruição de toda biosfera.
Temos de mudar nossas
prioridades – valores, filosofia, atitudes e comportamentos. Para os
praticantes de Yoga isso significa
fazer a nossa prática de Yoga
rigorosamente verde. O Yoga Verde é o
Yoga praticado com responsabilidade e
espiritualidade, com atenção aos valores morais universais e espirituais
promovidos no Yoga tradicional.
A menos que nos sintamos
tão tocados, não precisamos adotar as doutrinas religiosas e símbolos do Yoga tradicional como o hinduísmo,
budismo e jainismo. Esses são exemplos de doutrinas condicionadas à crença da
existência de Kṛṣṇa, Śiva ou outra
deidade, e também a crença metafísica de que o espírito e a matéria estão
eternamente em posições antagônicas; que há exatamente sete centros sutis (cakras) e 72 mil canais sutis (nāḍīs) no corpo, ou que seres sensíveis
são objeto de reencarnação. Além disso, há uma crença não universal, por
exemplo, de que alguém pode ganhar a liberação recitando a Bhagavadgītā ou outra escritura sagrada; de que a postura de lótus
acaba com todas as doenças.
Quando falamos em valores universais, nos referimos ao
discernimento fundamental na condição humana e nos comportamos baseados neles –
obviamente que não fazer o mal é melhor que fazer o mal, que a verdade é melhor
que a mentira, não roubar é melhor que roubar, compaixão é melhor que
desumanidade, amor é melhor que ódio, perdão é melhor que vingança e outros.
Um valor universal é também a admissão da existência de estados
transpessoais e processos e o fato de que nós, humanos, somos capazes de
autotranscendência e autotransformação, como também de realizações
transpessoais pelo treinamento da mente. O Yoga
Verde defende estes axiomas fundamentais do Yoga tradicional.
O Yoga Verde tem dois pilares éticos:
1. o centro ideal do karma-yoga (o caminho da ação
autotranscendental);
2. o māhāyana budista ideal de bodhisattva, o praticante que está comprometido com o autruísmo
espiritual, com a mente focada na libertação de todos os seres.
Esses dois ideais – um da
tradição hindu, outro do budismo – comunicam reverência por todas as vidas e a
disciplina de atenção. É pelo cultivo da atenção que nos tornamos totalmente
conscientes do valor intrínseco de todos os seres sensíveis. É pela reverência
pela vida que nossa prática de atenção se torna verdadeiramente relevante no
aqui e no agora. Atenção e reverência se relacionam como a cabeça se relaciona
com o coração.
Quando realmente enxergamos
o prejuízo catastrófico que fazemos com o meio ambiente, nossa única escolha
moral será mudar. Hoje, viver nosso Yoga
significa que devemos viver sustentavelmente, tendo em mente que o meio
ambiente é para as futuras gerações de todos os seres vivos. O Yoga Verde é uma oportunidade de prática
do Yoga tradicional no contexto da
crise contemporânea do planeta para tornar a Terra um lugar bom para se viver.
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