quinta-feira, 30 de outubro de 2008

A Deusa Kubjikā


Por Fernando Liguori

[Nota: O texto que segue faz parte do ensaio O Culto da Deusa Kubjikā – o Secreto Culto da Deusa Kaula de Newar, ainda não publicado. O ensaio apresenta uma visão geral dos aspectos desconhecidos deste culto Kaula e apresenta uma breve introdução do culto Śākta conforme praticado em Newar no contexto da deusa Kubjikā, salientando sua forma de adoração conforme apresentada na história desta comunidade.]

A PINTURA de Kubjikā feita por Jñānakara Vajrācārya foi baseada na forma visualizada da deusa como descrita no Paścimajyeṣṭhāmnāyakarmārcanapaddhati. Essa típica liturgia Newar[1] representa a deusa na forma pelo qual os iniciados de Newar comumente a visualizam. Escolhi a imagem de acordo com esta escritura. Existem muitas variações de acordo com os Kubjikā Tantras. Sete variações diferentes são descritas no Manthānabhairavatantraṭīkā de Rūpaśiva. Outras podem ser encontradas em KuKh (29: 33 ff. e 49: 25cd ff.), KnT (11a ff.) e KRU (8: 53 ff). No nosso caso, ela carrega em suas mãos da direita, do topo até embaixo, o tridente, o espelho do karma, o vajra, um aguilhão, uma flecha e uma faca sacrificial. Nas correspondentes mãos da esquerda ela carrega uma cabeça cortada, um bastão ascético, sino, escritura, um arco e um recepiente para o sacrifício. Ela veste pele de tigre e leão e usa um colar de cabeças humanas, circundada por um círculo de estrelas (tārāmaṇḍala)

O paddhati diz que ela possui uma enorme barriga e encontra-se curvada (kubjārūpā). Ela é adornada com serpentes. Essas descrições são enfatizadas em várias escrituras, dando a ela o título de deusa das serpentes, a kuṇḍalinī. Ela está sentada em lótus no umbigo de Śiva que está abaixo dela como um trono (siṁhāsana). De acordo com os Kubjikā Tantras, o umbigo é o local onde ela descança na forma de uma serpente enrolada e de onde ela se ergue. A imagem portanto representa a deusa como a kuṇḍalinī emergindo de Deus como sua divina vontade (icchāśakti).

Uma interessante descrição desta imagem é a cor amarela de sua face frontal (pūrva). Essa não é a cor usual de sua face segundo as escrituras. Alguns eruditos iniciados de Newar afetuosamente se referem a Kubjikā em newari como māsukvaḥ mājū (a Mãe de Face Amarela). Uma grande máscara de bronze representando esta deusa foi encontrada em um templo proximo a Vajrayoginī nas vizinhaças de Śanku. Os iniciados de Newar associam a cor amarela de sua face com Brahmāṇī, a primeira das oito Mães (mātṛkā). Eu suponho que esta conexão explique porque os dançarinos de Durgā de Bhaktapur recebam seu poder de Brahmāṇī (i.e. Kubjikā) no ritual executado em seu santuário após o festival de nove dias a Durgā (navaratri) realizado no outono.
Embora seja originalmente uma deusa indiana, Kubjikā é quase exclusivamente adorada no Vale Kathmandu, onde seu culto tem sido mantido escrupulosamente secreto pelos iniciados de Newar por séculos.

Kubjikā é um poderoso desenvolvimento de Mālinī, a principal deusa dos Tantras da tradição Trika e da tradição Krama da Caxemira. Seu culto pertence a uma cadeia de sistemas Kaula que culminam no culto a deusa Tripurā. A importância histórica de Kubjikā é espelhada na extraordinária riqueza das dimensões espirituais de seu culto.

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1. O termo Newar se aplica aos descendentes de cidadãos do Nepal Medieval (que consiste do Vale Kathmandu como a capital e território em constante mutação, com uma extensão que vai do rio Gandaki a oeste ao rio Koshi ao leste, do Tibete ao norte e o Terai ao sul). O idioma falado é o Nepal Bhasa (newari, de acordo com as estatísticas do Nepal). Muitas comunidades Newars no Nepal possuem seu próprio dialeto newari. Podemos considerar os Newars como uma comunidade lingüística constituída por diferentes etnias vivendo sob uma linguagem comum.

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