उद्यमो भैरवः - udyamo bhairavaḥ
शिव सूत्र
Śivasūtra
Sūtra 5
उद्यमो भैरवः
udyamo bhairavaḥ
उद्यमो – udyamo: A elevação da consciência divina;[1]
भैरवः – bhairavaḥ: A Realidade Suprema, Śiva.
Natureza do Sūtra: [Śāmbhavopāya] A elevação espontânea da Consciência que é Bhairava ou a Consciência Transcendental que destrói o véu da ignorância e liberta o indivíduo.
Tradução
A elevação é Bhairava[2]
Explicação
Este aforismo explica a natureza de śāmbhavopāya[3] ou śāmbhavo-yoga, o meio de realização espiritual que ocorre espontaneamente, sem esforço. Este meio de realização espiritual sem esforço também é conhecido como icchopāya ou icchā-yoga, o que denota uma mera orientação da vontade para sua execução. Ele também é conhecido como abhedopāya, o yoga no qual existe a completa identificação do Eu – o Ser – com Śiva, no qual a idéia de eu, o complexo psico-físico (nāma-rūpa) desaparece e apenas Śiva é experienciado como o verdadeiro Eu, o Ser real. Um outro nome dado a este meio de realização é avikalpaka ou nirvikalpaka-yoga, pois este tipo de experiência somente pode ocorrer quando existe a completa cessação de todos os constructos mentais. Neste Yoga não ocorre qualquer atividade, seja no corpo, no prāṇa, em manas ou buddhi.
Kṣemarāja interpreta o termo udyamaḥ como unmajjanarūpaḥ, a forma de aparição espontânea e repentina da consciência de Śiva. Portanto, a natureza de śāmbhava-yoga é esta aparição espontânea e repentina da Suprema Consciência do Eu que é o estado de Śiva no qual todos os constructos mentais cessam completamente (sakala-kalpanākulālaṅkavalana) que ocorre naqueles cuja consciência está completamente absorvida no estado de Bhairava (antarmukha-etat-tattvāvadhāna-dhanānāṁ jāyate). No Mālinīvijaiatantra (II: 23) está escrito:
ओंकिचिच्चिन्तकस्यैव गुरुण प्रतिबोधः
जायते यः समवेशः शम्भवो सावुदीरितः
oṁkiciccintakasyaiva guruṇa pratibodhaḥ
jāyate yaḥ samāveśaḥ śambhavo sāvudīritaḥ
A absorção da consciência individual na Divindade (śāmbhavasamāveśa) é o resultado de um despertar (pratibodhaḥ) impartido pelo guru (mestre espiritual) àquele que tenha liberado sua mente de toda atividade criadora de idéias.
Quando existe a identificação com Śiva sem qualquer constructo mental, apenas por uma intensa orientação do poder da Vontade (icchā-śakti) em direção a Realidade interna, ocorre então o śāmbhava-yoga ou śāmbhavasamāveśa.
A Spandakārikā (III: 9) ajuda a compreender este aforismo:
एकचिन्ताप्रसक्तस्य यतः स्यादपरोदयः
उन्मेषः स तु विञेयः स्वयं तम् उपलक्षयेत्
ekacintāprasaktasya yataḥ syādaparodayaḥ
unmeṣaḥ sa tu viñeyaḥ svayaṃ tam upalakṣayet
Enquanto o indivíduo está ocupado com o pensamento e surge outro, o ponto de união entre os dois é o estado de unmeṣa, uma revelação da verdadeira natureza do Ser, que é o [telão de] fundo de ambos os pensamentos. Todos podem experimentar este estado por si mesmos.
No jīva ou indivíduo empírico, a Realidade ou Śiva, o puro Ser de bem-aventurança sempre brilha em toda sua glória em seu interior, contudo, oculto pelos constructos mentais. A Realidade é a Presença Eterna em todos os seres. Isto é um fato comprovado (siddha), não algo que pode ser conjecturado segundo as noções do falso ego (sādhya). Não é algo que pode ser percebido pela rede de constructos mentais (vikalpa-jāla), embora qualquer um possa deduzir de uma maneira intelectual, amorfa, sem vida. Quanto mais tentamos nos agarrar as conjecturas intelectuais deste processo espiritual mais longe ficamos da verdade interna. Todos os constructos mentais têm que desaparecer para que a Realidade de Śiva possa ser percebida em sua totalidade. Vikalpa, a atividade dicotomizante da mente tem de cessar, a roda de imaginação e o sono psíquico precisam ser impedidos. Quando o fantasma do pensamento discursivo vai embora, quando vikalpa é anulado, o Ser brilha, os processos de distinção se anulam e o yogī realiza abhedopāya.
O yogī que alcançou o nível mais elevado da prática (śāmbhavopāya) integra-se ao esforço ativo utilizando o vibrante (spanda) poder da consciência que impele e dá a vida aos sentidos e mente. Ele testemunha o mundo através da atividade da consciência cuja natureza universal, Bhairava, é imediatamente manifesta. Este aforismo não lhe ensina a seguir sua verdadeira natureza pelo esforço pessoal, mas ao contrário, que seja levado por um esforço inato de sua natureza interior identificada com a suprema intuição (parāpratibhā) da liberdade (svātantrya) da consciência. Este fluxo de energia, uma com a verdadeira natureza do yogī, é Bhairava. Ele contém em si mesmo todos os poderes do Absoluto e espontaneamente assimila todas as percepções (vikalpa) diferenciadas no instante em que elas emergem, levando o yogī a percepção do mais alto nível de consciência. Despertado pela graça de seu guru, o yogī é absorvido no mais elevado estado de contemplação (śāmbhavasamāveśa) no plano do Ser além da mente (unmanā), situado no centro entre um pensamento e outro, de onde o mundo da percepção diferenciada surge. Com a mātṛkā operando como Aghorā Śakti, através da qual o yogī aniquila as restrições impostas sobre ele pelas três impurezas, adquirindo assim o supremo conhecimento (parajñāna), alcança a expansão mais poderosa (unmeṣa) de sua consciência.
Notas:
[1] Udyamaḥ, neste contexto, significa a elevação da consciência sem a realização de esforço. Pela regra de sandhi, a palavra é composta de ut + yam. Ut significa acima, para cima e yam significa elevar, sustentar. Portanto, uma tradução mais acurada do termo seria a elevação espontânea da Suprema Consciência do Eu, pois, em síntese, o que este aforismo quer ensinar é o śāmbhavopāya ou śāmbhavo-yoga, a realização suprema do Ser, que é Śiva, sem esforço exterior. Swami Lakṣamaṇa Joo nos ensina em seus comentários que há dois tipos de esforço, o passivo e o ativo. Embora este aforismo ensine o śāmbhavo-yoga, o meio de realização espiritual sem esforço, há um certo esforço ativo que é o estado de elevação do Eu-consciência que é Bhairava. Um esforço que, quando flui como a consciência ativa, faz com que a Consciência Universal brilhe instantaneamente. Este esforço é encontrado nos adeptos cuja consciência está sempre introvertida no despertar da consciência de Śiva.
[2] Outras traduções cognatas podem ser: 1. A elevação da Consciência é Bhairava; 2. A aparição espontânea e repentina da Suprema Consciência do Eu é o estado de Bhairava; 3. Aquele esforço – do brilho externo da consciência ativa – que faz a Consciência Universal brilhar instantaneamente é Bhairava; 4. O florescimento repentino da Consciência Universal é Bhairava; 5. A súbita emergência da iluminação é Brairava; 6. A súbita iluminação da divina Consciência é Bhairava.
[3] A classificação da prática do Śaivismo da Caxemira conforme o Yoga transmitido pelo Śivasūtra em três upāyas foi uma inovação que apareceu somente por volta do Séc. XI d.C. nos escritos de Abhinavagupta que, muito provavelmente, recebeu estas idéias de seu mestre Trika, Śambhunātha. Essa tripla classificação não aparece nos recessos anteriores a Abhinava. Assim, Kṣemarāja, seguindo as instruções de seu mestre, apresentou sua interpretação do Śivasūtra dividindo-o em três cessões, refletindo o esquema de prática e avanço espiritual em três etapas. Como todas as práticas ensinadas nas três cessões dos Aforismos de Śiva pertencem a suas respectivas categorias, a primeira cessão lida com a característica mais elevada da consciência, enquanto que a última lida com a caracteristica mais densa. Este também é o caso das três cessões da Spandakārikā.
A primeira cessão, de acordo com Kṣemarāja, discute as práticas que levam a realização da verdadeira natureza de Śiva diretamente como um lampejo da intuição. A prática neste nível está centrada na fonte unitária de diversidade que, adorada como Śiva, é a consciência sagrada que habita o sentido interior de auto-existência pura que se afirma espontaneamente como Eu sou. Śiva transforma-Se em todas as coisas sem afetar Sua unidade, pois tamanha é Sua liberdade (svātantrya), em todo Seu poder, que Ele faz aquilo que para qualquer um seria impossível. No instante que esta percepção ocorre na esfera microcosmica, o yogī descobre a unidade (abheda) que contém e sustenta o incessante ciclo de criação e destruição que marca o aparecimento e desaparecimento de todas as coisas que, refletidas em sua divina consciência, vêm e vão em seu interior, como imagens no espelho. Essa noção perpétua, incondicional e toda-abrangente da vibração (spanda) do mais puro Eu-consciência contém todos os divinos poderes do Absoluto. O yogī que sustenta concentradamente a consciência espontânea (svata udita) e auto-evidente (svataḥ siddha) de sua própria existência que se expressa em um profundo sentido de Eu sou, compartilha da experiência de Śiva que, com seus poderes, é o puro sentido de totalidade universal em todos os seres. Uma prtática deste tipo, i.e. centrada no poder criativo e destrutivo da vontade (icchā) descoberta na unidade da consciência de Śiva, que é o verdadeiro Ser que representa a natureza mais íntima do indivíduo é, apropriadamente, o meio de realização do próprio Senhor, śāmbhavopāya, o Meio de Realização Divina.
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