sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Qual a natureza de sua prática de Yoga?


Por Fernando Liguori


QUANDO o Yoga chegou ao Ocidente teve de se adaptar aos praticantes ocidentais. Graças aos esforços de Swami Kuvalayananda (1883-1966), ganhou espaço no campo da ciência desde 1924. Em seguida, já nos anos 80, destacou-se como uma terapia de conforto e de bem-estar. De fato, a prática de Yoga conforme a conhecemos no Ocidente proporciona este estado de conforto e bem-estar, além de auxiliar na prevenção de doenças e na cura dos males causados pelo estresse e demais mazelas provenientes do estilo de vida Ocidental. Mas o Yoga é só isso? Ele está destinado a proporcionar somente saúde e um excelente preparo físico? Acredito que não e para confirmar minha negação, me apóio na tradição.

Muitos praticantes de Yoga acreditam que a prática, conforme a conhecemos no Ocidente, tenha sido feita na Índia, dessa mesma maneira, desde a noite dos tempos. Por esta visão idealista, de que este Yoga remonta há milênios, sábios da tradição são pintados praticando āsana e iniciando seus trabalhos espirituais com um vigoroso Sūrya Namaskār (saudação ao sol).

Contudo, ao analisarmos as escrituras originais da tradição yogī, encontramos um universo bem diferente do Yoga como o conhecemos e praticamos hoje. Inequivocadamente, o nascimento do Yoga remonta a composição das upaniads como o período de gestação de sua doutrina, cuja culminação deu-se com o Yogasūtra de Patañjali. Desde as reflexões filosóficas contidas nas upaniads, o Yoga não menciona nenhuma variedade de āsana. O Yoga, conforme apresentado nestas reflexões consideradas pelo Hinduísmo como integrantes do corpo literário da revelação (śruti), minimiza a importância ritualística que caracterizava a ortodoxia bramânica em detrimento do conhecimento interior adquirido através da atitude contemplativa e da prática meditativa.

A partir do Séc. XIV, com o aparecimento de obras como a Hahapradīpikā, deu-se início a cultura do āsana e mesmo assim, em tempo algum fala-se sobre seqüências de posturas. Voltando um pouco mais no tempo, com a codificação da doutrina do Yoga nos sūtras de Patañjali, encontramos a definição de que āsana deveria ser uma postura firme e confortável (sthirasukham āsanam). Antes disso, a Bhagavadgītā menciona que āsana é um assento. Gorakanātha, ao que parece formulador do haha-yoga, menciona em seu Siddha Siddhānta Paddhati (II: 34), obra datada do Séc. XI, que āsana é a condição de quem alcançou sua mais autêntica natureza. Svastikāsana, padmāsana ou siddhāsana, qualquer uma destas é desejável permanecer, fixando assim a atenção. Esta é a característica do āsana. Aqui o āsana é apresentado como a forma em que o corpo deve se encontrar ajustado para meditação, sendo considerado um apoio indispensável também a prática do prāāyāma, mudrā e samādhi. Esta seqüência é apresentada posteriormente na Hahapradīpikā.

A literatura nāthayogī aponta a palavra āsana, fisicamente, como postura sentada ou assento. Metafisicamente, como o estabelecimento do estado original (svasvarupe samasannata). Este estado original é mencionado na Hahapradīpikā como a conversão do corpo como o assento do Ser. Isso é demonstrado por Svātmārāma ao utilizar a palavra ha (assento) ao invés de āsana. Isso dá uma noção muito precisa do que ele queria passar. Ademais, em nenhuma parte do texto encontra-se instruções para que o praticante tenha proficiência em todos os quinze āsanas ali descritos.

Se as escrituras tradicionais do Yoga revelam uma prática mais contemplativa e meditativa, de onde vem o Yoga que praticamos então? Existe uma lacuna entre os ensinamentos tradicionais do Yoga, mais precisamente do haha-yoga e a prática de āsanas que acreditamos ser muito antiga.

Ao estudar as raízes da prática do Yoga conforme a concebemos na atualidade, me deparei com uma escritura datada do Séc. XIX chamada Śrītattvanidhi [O Tesouro das Ilustres Realidades] que traz, em sua última parte, um compêndio de āsanas denominado Kautuka Nidhi. Estudiosos apontam esta escritura como o elo perdido entre o yoga nātha antigo e o moderno, alegando ser este o documento mais completo acerca da prática de āsanas. O professor Carlos Eduardo Barbosa do site yogaforum sustenta que a série de posturas como conhecemos são de origem militar, vinculadas a prática de ginastica tradicional da Índia, conhecida como vyayama. Em seu artigo O Āsana no Yoga, publicado na edição de 2010 do periódico Yoga Vidya do Centro Montanha Encantada diz que a integração entre o vyayama e o Yoga originou-se, quem sabe, dentro da Confederação Maratha, um estado hindu que surgiu no Séc. XVI e que, já no final do Séc. XVIII, o Yoga também misturou-se a uma arte marcial adaptada dentro do território Maratha chamada Mallakhamb. Swāmi Kuvalayananda, citado no início deste artigo, aprendeu Yoga de um campeão de Mallakhamb.

Portanto, o elo perdido nos parece ser a Confederação Maratha, a cultura responsável pela vinculação do yoga nātha com a prática de ginástica tradicional militar no Rajastão, em Maharashtra e em Karnataka, que inclui o antigo reino de Mysore, local de ensino do grande mestre Kriṣṇamācārya, principal fonte do Yoga no Ocidente. Aqui o Yoga é apresentado em uma forma muito distante do original, mesclando técnicas de Mallakhamb com a utilização de cordas e apoios.


A prática de āsana, conforme estabelecida pela tradição nātha, também apresentava outro significado. Ela se estabelecia sobre aspectos mitológicos que deveriam ser contemplados no momento da prática como uma preparação para os estágios avançados do prāāyāma e da meditação. Os nomes das posturas diferenciam-se dos que hoje conhecemos, que foram elaborados para descrever a forma em que o corpo se encontra na realização do āsana. Portanto, há que se haver uma mudança de foco se é que realmente queremos praticar o Yoga como ensinado em sua essência. No artigo mencionado acima, o professor Carlos Eduardo enfatiza que o objetivo original do āsana, segundo a literatura da tradição, era dar ao praticante a tranqüilidade e estabilidade necessárias para que ele pudesse manifestar sua verdadeira natureza interior. 

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