sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Observe sua Mente



Por Fernando Liguori


[Primeira parte da conferência realizada na Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF – para turma de pós-graduação em Ciência das Religiões em 27 de agosto de 2013. Foram omitidos deste texto a sessão de perguntas e respostas e a parte prática no fim da conferência.]


ESTAMOS aqui essa noite para conversarmos sobre a meditação. Quem sabe possamos até passar por alguma experiência meditativa no fim desse encontro. O que preciso é que fiquem a vontade, principalmente relaxados. O relaxamento é um fator sine qua non na prática meditativa. Na realidade, se não existe um estado interior de relaxamento, a meditação não ocorre. Mas embora este fator seja de suma importância no processo meditativo, hoje vamos nos concentrar no processo de percepção e avaliação dos pensamentos na busca pelo cultivo da consciência plena, o que leva, sem dúvida alguma, aos estados meditativos mais avançados e um aprofundamento nos recessos mais ocultos da mente.

Algumas técnicas meditativas envolvem análise enquanto outras se focam na experiência imediata; cada técnica abrange áreas diferentes na consciência. Meditações analíticas são úteis para desenvolver a concentração e a consciência. Mas a compreensão analítica e a preparação mental somente podem nos levar até certo ponto, pois quando a consciência atinge as camadas mais profundas da mente, os pensamentos param por si mesmos. Isso ocorre porque os pensamentos não funcionam sem as palavras e conceitos da mente racional. Quando esse processo de interrupção automática do fluxo mental incessante ocorre, o que resta é uma certeza imediata baseada na realização empírica. Em outras palavras, quando nos despojamos do construto intelectual da mente racional nos conectamos a um tipo de energia sutil que jaz escondida profundamente, a qual experienciamos diretamente.

Alguns meditadores rapidamente conseguem transcender as emoções e os pensamentos, indo direto a experiência meditativa da consciência. Mas para algumas pessoas, é útil primeiro analisar em que estão envolvidas: qual a relação entre a meditação e o meditador? Como essa relação se estabeleceu? Quem está observando e quem está interagindo com a experiência? Essa análise pode nos levar a um nível profundo de investigação, nos tornando mais facilmente abertos a experiência da meditação. Cada questão respondida amplia a visão e reduz as dúvidas e problemas. Assim, uma vez que essa análise tenha sido interrompida, a meditação se torna naturalmente espontânea, imediata, direta.

Um exercício inicial muito bom na prática da meditação analítica é contar quantos pensamentos você teve em uma hora. Em um diário espiritual, onde anotará todas as suas práticas e ações conectadas a elas, anote cada pensamento, categorizando entre positivos, negativos e neutros. A simples observação de quantos pensamentos você teve em uma hora auxilia no ganho de concentração e memória. Capacita-nos a conhecer a natureza da mente e saber como lidar com suas volições. Isso traz paz, elemento essencial para o desenvolvimento espiritual. Swami Niranjan costuma dizer que a paz interior é o solo onde podemos construir as bases sólidas do crescimento interior.

Após algumas semanas selecionando e anotando os pensamentos, escolha um. Mantenha-o em mente, sob análise, o máximo que puder. Pode ser qualquer pensamento, negativo ou positivo. Não deve haver um segundo pensamento. Sua mente deve estar focada em apenas um pensamento. Não julgue, não se envolva, não tente localiza-lo ou ver como ele é. Apenas deixe que ele seja o que é. Quando se cansar do pensamento e tiver exaurido suas possibilidades, escolha outro. Faça isso pelo menos cinco vezes ao dia, esteja onde estiver.

Então, novamente após algum tempo executando essa prática, procure perceber sua relação com o draṣṭṛ, o observador interior, a testemunha que observa e reconhece os pensamentos, conceitos e sentimentos. Quem está observando? Vocês podem dizer que é a consciência, outros vão dizer que é a intuição ou a mente subjetiva ou o «eu» e até mesmo o Ser Interior. Mas como este «eu» está concernido aos pensamentos e como eles operam juntos? Quais as diferenças e os conflitos entre este «eu» e a mente?

Ao invés de analisar isso de forma analítica, tente examinar de forma experimental. Quanto mais observar sua própria experiência, mais cedo poderá descobrir diretamente as respostas as indagações. Mas quando os pensamentos não são avaliados corretamente, você perceberá que está rotulando ou julgando a experiência. Se isso ocorre, as camadas mais profundas da mente automaticamente se tornam inacessíveis e os níveis mais sutis de experiência não são alcançados. Dessa maneira todas as respostas aos questionamentos podem ser superficiais ou inadequadas.

Este «eu» do qual me refiro, é o Ser Interior. Patañjali o chamou de draṣṭṣ, quer dizer, «aquele-que-vê», aquele que percebe a experiência. Como este «eu» e a experiência se conectam? Se a experiência e o draṣṭṛ são a mesma coisa, como o «eu» vê ou participa da experiência? Se são diferentes, qual a diferença entre eles? Uma vez que o «eu» passa por uma específica experiência e é interpretado diretamente – sem palavras ou imagens –, o que resta é o Real ou é algo rotulado, julgado?

Dentro do momento imediato da experiência, não há nada o que possa ser dito, pensado ou rotulado. Não há nada tangível que possa ser traduzido em palavras ou conceitos, pois a experiência está muito além disso. O que pode se descobrir é que até a experiência se dissolve e com ela os problemas que uma vez lhe tiraram do centro. A meditação começa aí! Em outras palavras, com a prática a verborreia interior se dissolve e com ela os pensamentos e emoções tóxicas. O meditador permanece na experiência.

Mas não tentem formular nenhuma ideia específica acerca da experiência. Quando estiverem praticando, não é bom nem pensar que estão meditando ou passando pela experiência. Apenas permitam que a experiência ocorra por si mesma, sem se preocuparem com o que ou como isso está acontecendo. Não é preciso relatar a experiência para si mesmo, pois não existe a «quem» relatar. Se alguma palavra, imagem ou conceito emergir na superfície da mente, isso significa que ainda existe a necessidade de examinar os pensamentos, até que não exista nada a ser dito, interpretado ou explicado.

Todo bom meditador passa anos meditando antes de conseguir livrar sua mente da incessante progressão de pensamentos. Portanto, nós podemos economizar uma quantidade relativamente extensa de tempo na medida em que recebemos instruções precisas para aprender a meditar de forma apropriada. Por exemplo, sem o conhecimento apurado do poder atômico, anos e anos se passaram antes que alguma explosão ocorresse. Mas quando a humanidade conheceu meticulosamente o tamanho do poder da energia atômica, a bomba nuclear foi inventada. Longe de ser um bom exemplo, ele serve para nos mostrar a necessidade do conhecimento de causa para prática correta da meditação.

A formula secreta para se alcançar estados elevados de meditação é não se identificar, não tomar uma posição e não se envolver com nenhuma imagem, pensamento ou até mesmo emoção durante a prática. Você estará no processo de análise, mas sem interagir com a cognição. Quando se aprende a entrar diretamente na meditação, rapidamente o pensamento discursivo ordinário é transcendido e com o auxilio necessário, o meditador pode transmutar o karma negativo de vidas passadas em um espaço curto de tempo. Esse conhecimento secreto acerca da meditação se torna uma fonte autossustentável de inspiração. Nós nos tornamos centrados no eixo da consciência pura, sem sujeito, sem objeto ou algo entre eles. Não há nada que nos tire do equilíbrio.

A meditação transcende o tempo, os sentidos, o complexo sujeito-objeto. Transcendo esses obstáculos, a meditação nos leva além dos níveis racional e intelectual da mente, nos projetando a luz da consciência. É como olhar para uma tela: de um lado da consciência se encontra a existência – pensamentos, emoções, negatividades e todos os padrões que nos enjaulam dia após dia; do outro lado se encontra um nível muito refinado de energia, um profundo estado meditativo que nos liberta do cárcere da mente, seus vícios e necessidades triviais.

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