Observe sua Mente
Por Fernando Liguori
[Primeira parte da conferência
realizada na Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF – para turma de
pós-graduação em Ciência das Religiões em 27 de agosto de 2013. Foram omitidos
deste texto a sessão de perguntas e respostas e a parte prática no fim da
conferência.]
ESTAMOS aqui essa noite para conversarmos sobre a meditação. Quem sabe possamos
até passar por alguma experiência meditativa no fim desse encontro. O que
preciso é que fiquem a vontade, principalmente relaxados. O relaxamento é um
fator sine qua non na prática meditativa. Na realidade, se não existe um
estado interior de relaxamento, a meditação não ocorre. Mas embora este fator
seja de suma importância no processo meditativo, hoje vamos nos concentrar no
processo de percepção e avaliação dos pensamentos na busca pelo cultivo da
consciência plena, o que leva, sem dúvida alguma, aos estados meditativos mais
avançados e um aprofundamento nos recessos mais ocultos da mente.
Algumas técnicas meditativas envolvem análise enquanto outras se focam na
experiência imediata; cada técnica abrange áreas diferentes na consciência.
Meditações analíticas são úteis para desenvolver a concentração e a
consciência. Mas a compreensão analítica e a preparação mental somente podem
nos levar até certo ponto, pois quando a consciência atinge as camadas mais
profundas da mente, os pensamentos param por si mesmos. Isso ocorre porque os
pensamentos não funcionam sem as palavras e conceitos da mente racional. Quando
esse processo de interrupção automática do fluxo mental incessante ocorre, o
que resta é uma certeza imediata baseada na realização empírica. Em outras
palavras, quando nos despojamos do construto intelectual da mente racional nos
conectamos a um tipo de energia sutil que jaz escondida profundamente, a qual
experienciamos diretamente.
Alguns meditadores rapidamente conseguem transcender as emoções e os pensamentos,
indo direto a experiência meditativa da consciência. Mas para algumas pessoas,
é útil primeiro analisar em que estão envolvidas: qual a relação entre a meditação
e o meditador? Como essa relação se estabeleceu? Quem está observando e quem
está interagindo com a experiência? Essa análise pode nos levar a um nível
profundo de investigação, nos tornando mais facilmente abertos a experiência da
meditação. Cada questão respondida amplia a visão e reduz as dúvidas e problemas.
Assim, uma vez que essa análise tenha sido interrompida, a meditação se torna
naturalmente espontânea, imediata, direta.
Um exercício inicial muito bom na prática da meditação analítica é contar
quantos pensamentos você teve em uma hora. Em um diário espiritual, onde anotará
todas as suas práticas e ações conectadas a elas, anote cada pensamento,
categorizando entre positivos, negativos e neutros. A simples observação de
quantos pensamentos você teve em uma hora auxilia no ganho de concentração e
memória. Capacita-nos a conhecer a natureza da mente e saber como lidar com
suas volições. Isso traz paz, elemento essencial para o desenvolvimento espiritual.
Swami Niranjan costuma dizer que a paz interior é o solo onde podemos construir
as bases sólidas do crescimento interior.
Após algumas semanas selecionando e anotando os pensamentos, escolha um. Mantenha-o
em mente, sob análise, o máximo que puder. Pode ser qualquer pensamento,
negativo ou positivo. Não deve haver um segundo pensamento. Sua mente deve
estar focada em apenas um pensamento. Não julgue, não se envolva, não tente
localiza-lo ou ver como ele é. Apenas deixe que ele seja o que é. Quando
se cansar do pensamento e tiver exaurido suas possibilidades, escolha outro.
Faça isso pelo menos cinco vezes ao dia, esteja onde estiver.
Então, novamente após algum tempo executando essa prática, procure
perceber sua relação com o draṣṭṛ, o observador interior, a testemunha
que observa e reconhece os pensamentos, conceitos e sentimentos. Quem está
observando? Vocês podem dizer que é a consciência, outros vão dizer que é a
intuição ou a mente subjetiva ou o «eu» e até mesmo o Ser Interior. Mas como
este «eu» está concernido aos pensamentos e como eles operam juntos? Quais as
diferenças e os conflitos entre este «eu» e a mente?
Ao invés de analisar isso de forma analítica, tente examinar de forma
experimental. Quanto mais observar sua própria experiência, mais cedo poderá
descobrir diretamente as respostas as indagações. Mas quando os pensamentos não
são avaliados corretamente, você perceberá que está rotulando ou julgando a
experiência. Se isso ocorre, as camadas mais profundas da mente automaticamente
se tornam inacessíveis e os níveis mais sutis de experiência não são alcançados.
Dessa maneira todas as respostas aos questionamentos podem ser superficiais ou
inadequadas.
Este «eu» do qual me refiro, é o Ser Interior. Patañjali o chamou de draṣṭṣ, quer dizer, «aquele-que-vê»,
aquele que percebe a experiência. Como este «eu» e a experiência se conectam?
Se a experiência e o draṣṭṛ são a mesma coisa, como o «eu» vê ou
participa da experiência? Se são diferentes, qual a diferença entre eles? Uma
vez que o «eu» passa por uma específica experiência e é interpretado
diretamente – sem palavras ou imagens –, o que resta é o Real ou é algo
rotulado, julgado?
Dentro do momento imediato da experiência, não há nada o que possa ser
dito, pensado ou rotulado. Não há nada tangível que possa ser traduzido em
palavras ou conceitos, pois a experiência está muito além disso. O que pode se
descobrir é que até a experiência se dissolve e com ela os problemas que uma
vez lhe tiraram do centro. A meditação começa aí! Em outras palavras, com a
prática a verborreia interior se dissolve e com ela os pensamentos e emoções
tóxicas. O meditador permanece na experiência.
Mas não tentem formular nenhuma ideia específica acerca da experiência.
Quando estiverem praticando, não é bom nem pensar que estão meditando ou
passando pela experiência. Apenas permitam que a experiência ocorra por si
mesma, sem se preocuparem com o que ou como isso está acontecendo. Não é
preciso relatar a experiência para si mesmo, pois não existe a «quem» relatar.
Se alguma palavra, imagem ou conceito emergir na superfície da mente, isso
significa que ainda existe a necessidade de examinar os pensamentos, até que
não exista nada a ser dito, interpretado ou explicado.
Todo bom meditador passa anos meditando antes de conseguir livrar sua
mente da incessante progressão de pensamentos. Portanto, nós podemos economizar
uma quantidade relativamente extensa de tempo na medida em que recebemos
instruções precisas para aprender a meditar de forma apropriada. Por exemplo,
sem o conhecimento apurado do poder atômico, anos e anos se passaram antes que
alguma explosão ocorresse. Mas quando a humanidade conheceu meticulosamente o
tamanho do poder da energia atômica, a bomba nuclear foi inventada. Longe de
ser um bom exemplo, ele serve para nos mostrar a necessidade do conhecimento de
causa para prática correta da meditação.
A formula secreta para se alcançar estados elevados de meditação é não se
identificar, não tomar uma posição e não se envolver com nenhuma imagem,
pensamento ou até mesmo emoção durante a prática. Você estará no processo de
análise, mas sem interagir com a cognição. Quando se aprende a entrar
diretamente na meditação, rapidamente o pensamento discursivo ordinário é
transcendido e com o auxilio necessário, o meditador pode transmutar o karma
negativo de vidas passadas em um espaço curto de tempo. Esse conhecimento
secreto acerca da meditação se torna uma fonte autossustentável de inspiração.
Nós nos tornamos centrados no eixo da consciência pura, sem sujeito, sem objeto
ou algo entre eles. Não há nada que nos tire do equilíbrio.
A meditação transcende o tempo, os sentidos, o
complexo sujeito-objeto. Transcendo esses obstáculos, a meditação nos leva além
dos níveis racional e intelectual da mente, nos projetando a luz da
consciência. É como olhar para uma tela: de um lado da consciência se encontra
a existência – pensamentos, emoções, negatividades e todos os padrões que nos
enjaulam dia após dia; do outro lado se encontra um nível muito refinado de
energia, um profundo estado meditativo que nos liberta do cárcere da mente,
seus vícios e necessidades triviais.
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