O Bindu Branco & o Bindu Vermelho
Fernando Liguori
(Kulānanda Saraswatī)
No corpo masculino, o shukla (bindu branco) emana da região da lua na forma de amṛta, o néctar da vida, gotejando do bindu-visarga para baixo na região do viśuddhi-cakra. Devido às propensões
naturais, do viśuddhi ele cai na
região do agni-maṇḍala, o maṇipūra-cakra onde é consumido pelo
sol. Posteriormente, ele cai nos centros mais inferiores onde é transformado em
sêmen e escapa do corpo. Embora o bindu
caia dos centros superiores aos inferiores no processo natural da vida, ele
pode ser revertido e impulsionado novamente para os centros superiores através
das práticas de kuṇḍalinī-yoga,
reintegrando-se com sua fonte, o bindu-visarga.
A natureza do sistema feminino é diferente a este respeito. Ele está
relacionado com o rajas (bindu vermelho), que é estabelecido nos
centros inferiores e está associado com o sistema reprodutivo e o ciclo
menstrual. O rajas é unido com o sol
na região do maṇipūra-cakra, o que
revela que a tendência natural da mulher é criar e suportar a vida. A mulher
não precisa transcender o mundo natural a fim de adquirir experiências
espirituais. Sua receptividade interna cresce através do processo natural da
vida, especialmente nos períodos de reprodução, o que resulta na experiência
direta da Realidade Última. Por conta disso, no passado, as mulheres geralmente
não se envolviam com práticas espirituais a fim de despertar sua natureza
divina e seus poderes relacionados. Contudo, a mulher que canaliza o rajas aos centros superiores experimenta
um despertar mais poderoso do que o homem, pois o rajas é muito mais forte que o shukla,
especialmente quando está concentrado nos centros inferiores. É por conta disso
que a contraparte feminina, a dūtī ou
sacerdotisa, sempre foi essencial na tradição tântrica.
De acordo com o Tantra, o bindu existe em duas formas, o branco e
o vermelho. O bindu branco representa
o princípio-consciência, Puruṣa ou Śiva. O bindu vermelho representa o princípio-energia, Prakṛti ou Śakti. Dentro
de cada indivíduo o bindu branco se
origina no assento da lua, o bindu-visarga-cakra,
e o bindu vermelho no assento do sol,
o maṇipūra-cakra. Embora ambos os bindus estejam presentes em cada
indivíduo, o branco é predominante no corpo masculino e o vermelho no corpo
feminino.
Quando o bindu branco cai, ele é transformado em sêmen (shukla) ou fluído masculino reprodutivo. Quando o bindu vermelho cai, ele se torna fluído
menstrual (rajas). Através de
práticas específicas de kuṇḍalinī-yoga,
o sêmen produzido pelo corpo masculino pode ser transmutado novamente em
consciência. Similarmente, o fluído mestrual produzido pelo corpo feminino pode
ser transmutado novamente em energia. Este processo de transformação somente é
possível porque em um nível sutil estas duas energias existem na forma de sementes
ou bindus. No processo yogī, é extremamente importante reter
estes dois bindus pelo processo de sublimação;
somente desta maneira o progressivo despertar das forças espirituais elevadas
não será obstruído.
Rajas é descrito nas
escrituras como um vermelho radiante, uma referência clara ao fluído menstrual.
Contudo, o óvulo é a manifestação física do bindu
no corpo feminino. O folículo ovariano, que nutre e envolve o óvulo, é
responsável pelo ciclo menstrual. O fluxo menstrual e as secreções vaginais são
manifestações dependentes do óvulo porque o folículo ovariano secreta
estrogênio e progesterona, hormônios que induzem a proliferação do revestimento
uterino e sua expulsão durante a menstruação.
Portanto, o bindu vermelho ou rajas
está relacionado com o ciclo reprodutor feminino em um nível físico. Em um
nível prânico, contudo, rajas
corresponde a prāṇa-śakti, a força
vital representada pelo sol e pela cor vermelha. O maṇipūra-cakra, atrás do umbigo, é o centro ou plexo solar, conforme
o kuṇḍalinī-yoga. Ele é o grande
armazém de prāṇa e o centro do fogo (agni-maṇḍala), simbolizado por um
triângulo vermelho invertido. O rajas,
neste nível prânico, situa-se nessa região.
Shukla, o bindu branco, é representado em um nível físico como o
espermatozóide no organismo masculino, cujo veículo é o fluído seminal. O
espermatozóide se torna o bindu
quando o sêmen é sublimado. No processo de sublimação, nem o fluído ou a
energia escapam do corpo. Contudo, não é a retenção ou a emissão do fluído seminal
que importa aqui, mas a conservação da energia que é utilizada em sua produção.
O assento do shukla é a lua, que se relaciona com a mente ou citta-śakti, a força mental ou
consciente. No kuṇḍalinī-yoga a lua é
representada em dois níveis de evolução: no nível instintivo ela é representada
pelo swādhisṭhāna-cakra e
no nível mental mais elevado pelo bindu-visarga-cakra.
Na simbologia dos cakras, a lua é associada
a estes dois cakras. Portanto, o bindu branco está associado à produção
do sêmen no nível do swādhisṭhāna e a
secreção do amṛta no bindu-visarga. Assim, o bindu branco se relaciona com a lua, que
corresponde tanto ao swādhisṭhāna
quanto ao bindu-visarga, dependendo
do contexto.
Como rajas ou prāṇa-śakti está associada ao sol na
região do maṇipūra e se manifesta
como força procriativa na região do útero ou swādhisṭhāna, ela se sustenta por apāna, a força prânica que usualmente desce da região do umbigo até
o períneo. Os diferentes mudrās, bandhas e kriyās do kuṇḍalinī-yoga
revertem o fluxo descendente de rajas,
de maneira que ele possa novamente voltar a região de agni-maṇḍala ou maṇipūra-cakra.
Neste processo, o grande armazém de prāṇa no maṇipūra é gradativamente ativado e desperto
pela força de rajas. Posteriormente,
pelas mesmas técnicas citadas acima, o despertar do prāṇa ou rajas é dirigido
para dentro da suṣumṇā-nāḍī, de onde ascende com grande força e
se integra com o bindu. Esse processo
pode ser comparado ao despertar da kuṇḍalinī
no nível de maṇipūra. Portanto, é
dito que com o despertar da kuṇḍalinī
a partir do mūlādhāra, prāṇa-śakti ascende como uma garoa fina,
mas quando a kuṇḍalinī desperta a
partir do maṇipūra, ela ascende como
uma torrente de energia, um verdadeiro vulcão em erupção.
Integrando rajas com o sol na
região do maṇipūra, o despertar da kuṇḍalinī se torna estável e
continuamente progressivo. O despertar da kuṇḍalinī
a partir do mūlādhāra nunca é
permanente. Ela sobe e desce devido à ação gravitacional das identificações e
associações materiais. Não existe força o suficiente para atravessar as
barreiras kármicas e instintivas dos centros mais inferiores. Contudo, quando a
kuṇḍalinī é desperta a partir do maṇipūra-cakra pela integração do rajas com o sol, não existe queda
posterior e o rajas sobe desimpedido
através da suṣumṇā-nāḍī para se integrar com bindu.
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