quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

O Bindu Branco & o Bindu Vermelho



Fernando Liguori
(Kulānanda Saraswatī)

No corpo masculino, o shukla (bindu branco) emana da região da lua na forma de amṛta, o néctar da vida, gotejando do bindu-visarga para baixo na região do viśuddhi-cakra. Devido às propensões naturais, do viśuddhi ele cai na região do agni-maṇḍala, o maṇipūra-cakra onde é consumido pelo sol. Posteriormente, ele cai nos centros mais inferiores onde é transformado em sêmen e escapa do corpo. Embora o bindu caia dos centros superiores aos inferiores no processo natural da vida, ele pode ser revertido e impulsionado novamente para os centros superiores através das práticas de kuṇḍalinī-yoga, reintegrando-se com sua fonte, o bindu-visarga. A natureza do sistema feminino é diferente a este respeito. Ele está relacionado com o rajas (bindu vermelho), que é estabelecido nos centros inferiores e está associado com o sistema reprodutivo e o ciclo menstrual. O rajas é unido com o sol na região do maṇipūra-cakra, o que revela que a tendência natural da mulher é criar e suportar a vida. A mulher não precisa transcender o mundo natural a fim de adquirir experiências espirituais. Sua receptividade interna cresce através do processo natural da vida, especialmente nos períodos de reprodução, o que resulta na experiência direta da Realidade Última. Por conta disso, no passado, as mulheres geralmente não se envolviam com práticas espirituais a fim de despertar sua natureza divina e seus poderes relacionados. Contudo, a mulher que canaliza o rajas aos centros superiores experimenta um despertar mais poderoso do que o homem, pois o rajas é muito mais forte que o shukla, especialmente quando está concentrado nos centros inferiores. É por conta disso que a contraparte feminina, a dūtī ou sacerdotisa, sempre foi essencial na tradição tântrica.

De acordo com o Tantra, o bindu existe em duas formas, o branco e o vermelho. O bindu branco representa o princípio-consciência, Puruṣa ou Śiva. O bindu vermelho representa o princípio-energia, Prakṛti ou Śakti. Dentro de cada indivíduo o bindu branco se origina no assento da lua, o bindu-visarga-cakra, e o bindu vermelho no assento do sol, o maṇipūra-cakra. Embora ambos os bindus estejam presentes em cada indivíduo, o branco é predominante no corpo masculino e o vermelho no corpo feminino.

Quando o bindu branco cai, ele é transformado em sêmen (shukla) ou fluído masculino reprodutivo. Quando o bindu vermelho cai, ele se torna fluído menstrual (rajas). Através de práticas específicas de kuṇḍalinī-yoga, o sêmen produzido pelo corpo masculino pode ser transmutado novamente em consciência. Similarmente, o fluído mestrual produzido pelo corpo feminino pode ser transmutado novamente em energia. Este processo de transformação somente é possível porque em um nível sutil estas duas energias existem na forma de sementes ou bindus. No processo yogī, é extremamente importante reter estes dois bindus pelo processo de sublimação; somente desta maneira o progressivo despertar das forças espirituais elevadas não será obstruído.

Rajas é descrito nas escrituras como um vermelho radiante, uma referência clara ao fluído menstrual. Contudo, o óvulo é a manifestação física do bindu no corpo feminino. O folículo ovariano, que nutre e envolve o óvulo, é responsável pelo ciclo menstrual. O fluxo menstrual e as secreções vaginais são manifestações dependentes do óvulo porque o folículo ovariano secreta estrogênio e progesterona, hormônios que induzem a proliferação do revestimento uterino e sua expulsão durante a menstruação.

Portanto, o bindu vermelho ou rajas está relacionado com o ciclo reprodutor feminino em um nível físico. Em um nível prânico, contudo, rajas corresponde a prāṇa-śakti, a força vital representada pelo sol e pela cor vermelha. O maṇipūra-cakra, atrás do umbigo, é o centro ou plexo solar, conforme o kuṇḍalinī-yoga. Ele é o grande armazém de prāṇa e o centro do fogo (agni-maṇḍala), simbolizado por um triângulo vermelho invertido. O rajas, neste nível prânico, situa-se nessa região.

Shukla, o bindu branco, é representado em um nível físico como o espermatozóide no organismo masculino, cujo veículo é o fluído seminal. O espermatozóide se torna o bindu quando o sêmen é sublimado. No processo de sublimação, nem o fluído ou a energia escapam do corpo. Contudo, não é a retenção ou a emissão do fluído seminal que importa aqui, mas a conservação da energia que é utilizada em sua produção.

O assento do shukla é a lua, que se relaciona com a mente ou citta-śakti, a força mental ou consciente. No kuṇḍalinī-yoga a lua é representada em dois níveis de evolução: no nível instintivo ela é representada pelo swādhisṭhāna-cakra e no nível mental mais elevado pelo bindu-visarga-cakra. Na simbologia dos cakras, a lua é associada a estes dois cakras. Portanto, o bindu branco está associado à produção do sêmen no nível do swādhisṭhāna e a secreção do amṛta no bindu-visarga. Assim, o bindu branco se relaciona com a lua, que corresponde tanto ao swādhisṭhāna quanto ao bindu-visarga, dependendo do contexto.

Como rajas ou prāṇa-śakti está associada ao sol na região do maṇipūra e se manifesta como força procriativa na região do útero ou swādhisṭhāna, ela se sustenta por apāna, a força prânica que usualmente desce da região do umbigo até o períneo. Os diferentes mudrās, bandhas e kriyās do kuṇḍalinī-yoga revertem o fluxo descendente de rajas, de maneira que ele possa novamente voltar a região de agni-maṇḍala ou maṇipūra-cakra.

Neste processo, o grande armazém de prāṇa no maṇipūra é gradativamente ativado e desperto pela força de rajas. Posteriormente, pelas mesmas técnicas citadas acima, o despertar do prāṇa ou rajas é dirigido para dentro da suṣumṇā-nāḍī, de onde ascende com grande força e se integra com o bindu. Esse processo pode ser comparado ao despertar da kuṇḍalinī no nível de maṇipūra. Portanto, é dito que com o despertar da kuṇḍalinī a partir do mūlādhāra, prāṇa-śakti ascende como uma garoa fina, mas quando a kuṇḍalinī desperta a partir do maṇipūra, ela ascende como uma torrente de energia, um verdadeiro vulcão em erupção.

Integrando rajas com o sol na região do maṇipūra, o despertar da kuṇḍalinī se torna estável e continuamente progressivo. O despertar da kuṇḍalinī a partir do mūlādhāra nunca é permanente. Ela sobe e desce devido à ação gravitacional das identificações e associações materiais. Não existe força o suficiente para atravessar as barreiras kármicas e instintivas dos centros mais inferiores. Contudo, quando a kuṇḍalinī é desperta a partir do maṇipūra-cakra pela integração do rajas com o sol, não existe queda posterior e o rajas sobe desimpedido através da suṣumṇā-nāḍī para se integrar com bindu.

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