quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Meditação & Japa Yoga



Por Fernando Liguori

[Texto retirado da apostila do Módulo I do Curso de Aprofundamento em Yoga & Āyurveda, edição 2012, ministrado pelo Instituto Kaula.]

Seguindo o curso da construção de nosso sādhanā, o próximo estágio da prática é a meditação. Aqui, quando nos referimos ao nome genérico meditação, queremos dizer grupo de práticas meditativas que seguem os passos do sapta-sādhanā proposto por nós. Primeiro nós abordaremos as práticas meditativas que introvertem a mente e os sentidos, que fazem com que nós empreendamos uma jornada em nosso interior para descobrirmos quem somos verdadeiramente. As práticas preliminares são as de relaxamento mental (pratyāhāra). Estas técnicas nos capacitam a estarmos dentro de nós mesmos longe do tumulto do mundo, encontrando paz em nosso interior. Este é um início necessário para práticas mais avançadas de:

·         Consciência unidirecionada (dhāraṇā)
·         Meditação (dhyāna)
·         Iluminação (samādhi)

Estes são estágios de aprofundamento da consciência até a realização do samādhi, o estado transcendental de iluminação espiritual. Muitas pessoas estão longe de atingir este nível de realização, entretanto, as práticas que proporcionam este estado são boas para todos nós.

Pratyāhāra é o estágio de entrada na meditação profunda. É o alicerce fundamental de todas as práticas meditativas, formando o substrato de todas elas. É um estágio, uma condição espiritual que se divide em quatro etapas:

1.     Primeiro, nós começamos a desenvolver consciência. A definição clássica de pratyāhāra é a retirada ou abstração dos sentidos. Tem sido dito que assim como uma tartaruga é capaz de recolher todos os seus membros para dentro do casco, da mesma forma o yogī deveria ser capaz de recolher toda extensão dos sentidos e da mente do exterior para o interior. Contudo, se nós aplicamos a lógica comum a este processo, nós iremos entender que não é uma simples questão de se desligar de tudo e se fechar para o mundo exterior. É antes de tudo se tornar consciente do que está acontecendo externamente e como nós estamos reagindo. Então, na primeira etapa de pratyāhāra, os sentidos são plenamente estendidos ao mundo externo, permitindo-nos experimentar sua completa atividade, seja no sentido do tato, paladar, visão, olfato ou audição.
2.     Segundo, nós observamos nossas reações aos estímulos sensoriais. Por exemplo, se surgisse um repentino e agradável aroma de rosas na sala, a maioria de nós faríamos uma profunda respiração e diríamos: Oh! É apenas um cheiro, mas este cheiro desperta muitas reações dentro de nós. Um sentimento, uma expressão, uma lembrança podem estar associados ao sentido do olfato. Logo, muitas reações diferentes se manifestam ao mesmo tempo, ao passo que nós nem mesmo percebemos todas elas. Se sentirmos o cheiro de carne estragada iremos nos levantar, colocar nossa cabeça para fora da janela e dizer yrk! A mesma coisa está acontecendo novamente. Se algo é suave e agradável, temos a sensação de prazer. Se algo é áspero de desagradável, não queremos tocá-lo. Essas são reações comuns, mas ao mesmo tempo são profundas reações aos estímulos sensoriais externos. Na segunda etapa de pratyāhāra, após nós termos expandido nossos sentidos externamente, temos que aprender como manter nosso equilíbrio, como desenvolver imunidade as influências dos sentidos, que são externas por natureza.
3.     Terceiro, nós recolhemos a consciência das experiências externas para as esxperiências internas dos sentidos. Começamos a ver a conexão que uma experiência sensorial tem com nossa mente interior. Como o cheiro desperta memória? Como um cheiro incita a sensação de prazer ou aversão? O reconhecimento e a percepção do processo mental associado com os sentidos é a terceira etapa de pratyāhāra.
4.     Quarto, nós percebemos e harmonizamos as atividades interiores. Depois de ter reconhecido o que experimentamos interna e externamente, e após termos desenvolvido imunidade, nós começamos a etapa final de pratyāhāra. É a experiência de śūnya, o nada ou vazio, ganhando controle sobre as ações e reações inconscientes dos sentidos e da mente, interrompendo assim suas interações. Śūnya é apenas a transição de um estado de meditação para o outro, da consciência para concentração e a concentração se inicia com dhāraṇā.

No exercício de pratyāhāra, portanto, podemos seguir o seguinte esquema de práticas:

1.     Meditações concentradas
2.     Meditações abertas

As práticas de meditação concentrada focam a consciência em um ponto, excluindo todas as interferências externas. Aqui incluem técnicas como mantra-yoga (japa e ajapa-japa), visualização interior etc.

As práticas de meditação aberta, ao invés de focar a consciência, permitem que ela esteja aberta a qualquer interferência como os pensamentos, sons, emoções etc. O meditante observa estas interferências como uma testemunha imparcial, um observador, não se envolvendo, sem emitir julgamentos. Isso produz uma limpeza nos recessos mais profundos da mente inconsciente. Um exemplo perfeito disso é a observação espontânea dos pensamentos (antar mouna) ou a visualização interior espontânea.

As meditações concentradas e abertas não se excluem. Ambas têm de ser executadas. Ademais, não é possível atingir níveis elevados de meditação concentrada (dhyāna e samādhi) até que tenhamos purificado, em grande parte, a mente interior, pois seus distúrbios forçam a consciência quando tentamos nos concentrar.

Japa

Muitas pessoas estão ansiosas por alguma experiência meditativa genuína. Isso é compreensível, embora nenhuma pressa ou até mesmo aspiração tornará essa experiência possível, a não ser que a mente enganadora, tempestuosa e cheia de truques seja acalmada. A meditação é um processo espontâneo que ocorre somente quando a mente atingiu certa harmonia, equilíbrio e unidirecionamento. Isso se aplica – quer dizer, essa harmonia e calma na mente – tanto por tempos prolongados quanto por curtos períodos de tempo. Ela precisa ser harmonizada. Sem esse requisito prévio, a meditação não ocorre. Uma prática meditativa sistemática, segura e simples para adquirir essa harmonia na mente é a japa. É um método apropriado para qualquer pessoa, sem exceção.

A primeira preocupação para a maioria das pessoas deveria ser confrontar e exaurir os conflitos internos e desejos suprimidos. A prática de japa é um método excelente que vagarosamente extrai os aspectos negativos da parte subconsciente da mente, com pouca probabilidade de efeitos desagradáveis. A prática relaxa a arena pessoal da mente, o que possibilita a experiência natural da meditação. Japa é uma excelente técnica preparatória para os estágios avançados de kriyā-yoga, pois ela refina a mente, o que possibilita uma experiência mais profunda e verdadeira. Na verdade, japa integra muitas práticas do kriyā-yoga. Portanto, se você pratica japa, está alicerçando uma valiosa fundação para técnicas e estágios mais avançados na meditação.

A palavra sânscrita japa significa rotação, repetição. A prática é assim chamada porque ela envolve a rotação contínua da mālā e a repetição, também contínua, do mantra. Geralmente, executa-se japa por um período fixo de tempo e um número determinado de repetições. A entoação do mantra pode ser alta, baixa ou silenciosa. Japa também pode ser definida como entoação mântrica ritmada com a rotação da mālā e um fluxo contínuo de consciência. Para um benefício máximo, pratique com regularidade.

Um sistema universal

Japa é provavelmente o sistema de meditação mais universalmente difundido. É uma parte integral tanto do Yoga quanto do Tantra e do hinduísmo como um todo. Muitas escrituras tradicionais descrevem os métodos e os méritos da prática de japa, principalmente os textos tântricos que trazem imagens de yogīs ancestrais executando japa. De acordo com a tradição, Brahmā, Criador do Universo, deu início à criação de tudo o que existe através da prática contínua de japa com o mantra auṃ. Tal é a importância da japa na vida espiritual.

A prática de japa não se confina a Índia. Os budistas da escola Mahāyana utilizam uma mālā de 108 contas mais três extras que representam o refúgio em Buda, no Dharma e em Sangha. Os sistemas mais ortodoxos de cristianismo também executam japa. Qualquer pessoa que visitar um monastério católico romano notará que seus monges ou freiras fazem a rotação de seus rosários em suas práticas espirituais diárias. Qualquer pessoa que tenha visitado a Grécia ou outros países Bálcãs onde a Igreja Ortodoxa Grega é predominante notou que todos os homens carregam consigo um rosário. Seja lá o que eles façam, estão sempre circulando seus rosários, o máximo que podem, em todas as ocasiões. Eles praticam uma forma de japa todo dia.

Racional

Um genuíno estado de concentração é muito difícil de ser alcançado pela maioria das pessoas, pois os distúrbios internos e externos são muitos. Durante a prática meditativa podemos ser completamente subjugados pela torrente contínua do murmúrio mental interior, aborrecimentos, tristezas etc. e, por outro lado, nos encontramos incapazes de frear e impedir o alarde, inquietação e confusão exterior. Estas duas circunstâncias impedem a meditação. É claro, a inabilidade em se abstrair do alarde exterior é o fruto de uma desordem interna. Da mesma forma, se existe paz interior, o praticante pode automaticamente desligar-se das influências externas.

Outra cilada na prática meditativa é o sono. É muito fácil conquistar um estado profundo de relaxamento e como isso é raro, o praticante pode começar a entrar em um estado de sonolência e dormir. O relaxamento deve ser conquistado, como sempre estamos enfatizando, mas a consciência deve ser cultivada para que o praticante não caia no sono. Nós já discutimos essa questão do sono anteriormente, mas frisamos esse ponto repetidamente porque o sono é uma armadilha que engana a maioria das pessoas que empreendem a prática meditativa. Mas outra armadilha, em contra partida, é a concentração forçada. Muitas pessoas já compreenderam a importância da concentração, mas infelizmente tentam forçá-la, o que causa tensão, impedindo o verdadeiro estado da concentração (dhāraṇā). A concentração verdadeira naturalmente ocorre quando a mente está relaxada.

Nós temos um dilema aqui:

1.     O praticante não se preocupa em se concentrar. Isso normalmente leva a cilada mencionada acima, o sono, absorção nas interferências externas ou se esquecer de si mesmo enquanto se encanta pelo incessante murmúrio dos pensamentos.
2.     O praticante força a concentração no esforço de impedir o sono ou a tendência de perder ou esquecer de si mesmo enquanto se encanta pelo mundo externo ou pelos construtos de pensamento gerados pela mente. Isso geralmente leva a tensão mental.

Portanto, estas duas abordagens perante a prática da meditação estão incorretas e elas irão levar o praticante para bem longe dos resultados e benefícios reais da meditação. A resposta para este dilema, como já enfatizamos anteriormente, não é tentar se concentrar, mas permanecer consciente. Japa é um sistema maravilhoso para se manter a consciência individual. Além do mais, ela evita que o praticante se perca tanto nos acontecimentos externos quanto no mundo interno dos pensamentos, além de frustrar o sono, o torpor e a preguiça. Vamos ver como isso é conquistado.

Durante a prática de japa, o meditante tem de fazer duas coisas: entoar o mantra e circular a mālā. Isso atua como um ponto de referência para consciência. Após algum tempo de prática adquire-se ritmo, o movimento da mālā se sincroniza com a entoação do mantra. Ou seja, sua mente e corpo têm de fazer alguma coisa juntos. Isso evita as ciladas acima mencionadas da seguinte maneira:

1.     Sono: se você tende a cair no sono, a repetição do mantra e o movimento da mālā perderão o ritmo ou irão parar. Isso fará com que retome o estado de vigília. Nessa hora é bom se levantar e lavar o rosto com água fria. É claro, se cair em sono profundo, à quebra no ritmo não irá ajudá-lo. Você estará morto para o mundo. Provavelmente deve estar cansado e precise dormir. Não há mal nisso. Mas o ponto a ser frisado é que a quebra no ritmo do mantra e na rotação da mālā pode ajudá-lo a ficar consciente da sonolência para que possa ajustar sua situação na prática.
2.     Preocupação com o mundo externo: a rotação da mālā e a entoação do mantra rapidamente farão com que sua consciência se introverta. Isso ocorre com mais facilidade se a entoação do mantra for feita com sentimento (bhava) e intensidade (tapaḥ).
3.     Absorção no processo interno de cognição: não suprima seus pensamentos. Deixe que eles apareçam na superfície da mente, mas esteja completamente consciente deles. Não se perca nos pensamentos. Não se identifique com eles. Observe-os como uma testemunha. Japa é um excelente método que nos capacita a observar os pensamentos sem nos identificarmos com eles. O método segue: você deve, em um sentido, dividir sua consciência. Quer dizer, você deve estar simultaneamente atento ao contínuo fluxo de pensamentos, na rotação da mālā e na entoação do mantra. Deixe que os pensamentos surjam, mas mantenha-se consciente da prática de japa. Se você começar a se perder em seus pensamentos, interrompa a rotação da mālā, pois a entoação do mantra e a rotação da mālā se tornarão descoordenados. Seja lá o que aconteça, você perceberá a perda de consciência na japa e rapidamente poderá equilibrar a divisão da consciência. Você precisa continuar neste processo, o tempo todo.

Eventualmente, se a prática estiver sendo executada corretamente por um período prolongado de tempo, o contínuo fluxo de pensamentos diminuirá e rapidamente irá se exaurir espontaneamente, por si mesmo. O tumulto mental irá se acalmar. A mente é carregada, magnetizada e imantada pela repetição do mantra, ao invés de se envolver com os construtos de pensamento. Portanto, a mente rapidamente se acalma e se torna unidirecionada. A consciência se reveste do mantra e isso é exatamente o que queremos. Neste estado a mente se torna relaxada, não pela supressão, mas pela exaustão dos pensamentos que se precipitam na superfície da mente e a gradual tendência de se perder nos devaneios do processo cognitivo. O estado natural de mente relaxada sem o tumulto intenso dos pensamentos é um prelúdio a meditação profunda.

Contudo, o contínuo borbulhar de pensamentos na superfície da mente é um processo positivo, especialmente quando eles vêm dos profundos reinos da mente subconsciente. Estes são os seus problemas internos. É observando-os que você poderá removê-los. Infelizmente, os pensamentos que seduzem a maioria das pessoas durante a prática meditativa são, muitas vezes, superficiais. Estes devem ser removidos pela prática de japa para que você possa ver profundamente. Assim, a japa atua sistematicamente limpando a mente destes pensamentos superficiais que são mera distração.

Quando sua mente se tornar unidirecionada e você estiver profundamente absorvido no mantra, subitamente poderá se confrontar com visões ou pensamentos que surgem inesperadamente. Estes representam seus problemas mais profundos que precisam ser removidos. A mera consciência deles irá fazer isso. Neste estágio, quando você estiver explorando as camadas abaixo da superfície mental, é à hora de iniciar a purificação destes problemas enraizados nos rincões inacessíveis da mente.

4.     Concentração: isso ocorrerá automaticamente na medida em que continuar bombardeando o contínuo fluxo de pensamentos através da japa. Quer dizer, consciência leva a concentração da mente. Quando exaurir os pensamentos deruptivos da mente, não terá alternativa senão se concentrar. Em outras palavras, será quase que forçado a se concentrar.

Japa é um método simples e efetivo de superar todas as armadilhas que mencionamos anteriormente. É por isso que é amplamente praticado. Ele provê um equilíbrio entre a absorção no mundo externo e seu oposto, a perda total no mundo dos pensamentos. Auxilia a cultivar a consciência através da concentração e vice versa. Acalma o murmúrio da mente, não pela supressão, mas permitindo que os pensamentos surjam enquanto se ancora a consciência no mantra e na rotação da mālā. É útil principalmente para pessoas que não conseguem se concentrar.

Qual o mantra utilizar

Existem inúmeros mantras. Os mais comuns são: auṃ, krīṃ, hrīṃ, śrīṃ, aiṃ, dūṃ, hūṃ, auṃ namaḥ śivāya, rāma, kṛṣṇa, durgā, auṃ mani padme hūṃ e muitos outros. O som ou padrão vibratório do mantra estimulará certos efeitos na natureza mental e psíquica de cada praticante. Cada mantra irá criar ou evocar um símbolo específico na psique.

Idealmente, o mantra deveria ser recebido diretamente do guru ou uma pessoa de consciência elevada, como se diz no Kulārṇava-tantra (XV: 19): Somente o mantra recebido pelo guru irá realizar seu poder.

Se você recebeu o mantra através da iniciação, continue sua prática de japa. Não mude o mantra, exceto por uma boa razão. O que se segue são as razões pelas quais você deveria mudar seu mantra:

1.     Seu guru lhe deu outro mantra;
2.     Atingindo um elevado estado de consciência você recebeu outro mantra que carrega sua mente de tal maneira que não tem dúvida de que aquele é seu mantra. Isso às vezes acontece e neste caso você deveria mudar o mantra;
3.     Você recebeu o mantra em um sonho. Neste caso, você deveria consultar seu guru para a análise do mantra e se ele é conveniente realmente para você na atual fase de sua vida. É muito fácil se auto-sugestionar em um sonho e receber um mantra. Definitivamente, este não é um mantra correto.

Se você não recebeu um mantra pessoal de um guru ou se você não o recebeu em um insight, é melhor que use o auṃ ou qualquer um dos acima citados para finalidades específicas. Não revele seu mantra a ninguém, mesmo que seja o auṃ.

Anuṣṭhana-sādhanā

A palavra sânscrita anuṣṭhana significa voto de execução ou execução de um ato específico. Anuṣṭhana-sādhanā ou anuṣṭhana-japa é um método largamente utilizado. Nesta prática, o meditante se propõe a executar japa por um período fixo de tempo ou um número específico de repetições do mantra. O propósito é disciplinar o praticante e ao mesmo tempo imantar sua psique para que ele realize o que deseja com a prática. Muitas pessoas começam um projeto com intensidade e bastante interesse, mas infelizmente, com o tempo, se cansam e desistem. Elas falham em conquistar seu objetivo. Isso ocorre com a japa também. O entusiasmo desaparece e o meditante não continua a execução de sua prática. Portanto, este voto auxilia na superação desta tendência letárgica.

Este sādhanā é muito comum na Índia e é usualmente prescrito para pessoas cuja mente é fraca. A prática pode ser executada em um dia, uma semana, um mês, um ano ou o tempo necessário para finalizar (ou realizar) o objetivo da prática. A duração, contudo, deve ser realista. Deve haver sinceridade neste ponto. Tradicionalmente, anuṣṭhana é associada a algumas regras:

1.     Silêncio total ou pelo menos a redução do hábito de se falar em demasia;
2.     Corte total do contato com a família, amigos e responsabilidades;
3.     Restrições na dieta.

Existem inúmeras outras regras, mas são impossíveis de serem praticadas por pessoas de mente comum ou ocupadas com os trabalhos do dia-a-dia.

Se você deseja executar anuṣṭhana-sādhanā seriamente, sugerimos que busque os conselhos de um professor competente em um nível pessoal para que ele possa prescrever as regras mais adequadas a sua natureza e circunstâncias. De qualquer maneira, o que aconselhamos é que primeiro o praticante assuma o voto de meditar e praticar Yoga todos os dias, por uma, duas ou três horas e praticar karma-yoga por todo o dia. Esta não é uma anuṣṭhana árdua, mas irá assegurar que você pratique todos os dias.

No que concerne a prática de japa, você pode formular uma resolução que irá entoar seu mantra um certo número de vezes por um período de tempo. Por exemplo, você pode entoar 100,000 vezes o mantra auṃ no período de 50 dias. Para executar esta anuṣṭhana, o mantra deve ser entoado 2000 vezes todos os dias. Se você entoa um auṃ por segundo, entoará 60 vezes a cada minuto. Portanto, o tempo requerido para entoar 2000 vezes é a divisão de 2000/60, que dará 35 minutos diários. Isso, é claro, dependerá sempre do tamanho do mantra. Você pode assumir também o voto de entoar o mantra 1080 vezes em dez dias, o que dará 10 rotações na mālā de 108 contas, uma por dia. Outra possibilidade é entoar 50,000 vezes, praticando uma hora por dia, pelo tempo requerido para finalizar o voto. Existem muitas possibilidades e combinações. Você deve escolher o método mais apropriado para a fase em que se encontra.

Anuṣṭhana-japa é um excelente método para acalmar e purificar a mente. Sempre recomendamos anuṣṭhana em combinação com japa, embora isso não seja absolutamente essencial. Se você não quer se submeter a um voto, pode então continuar a praticar japa todos os dias. Isso, é claro, trará muitos benefícios.

Posição para prática de japa

Qualquer postura meditativa confortável pode ser utilizada para prática de japa. Tradicionalmente, você deveria ficar de frente para o norte ou leste.

Variações de japa

Existem inúmeras variações de japa. Não pretendemos abordar todas, mas somente aquelas que acreditamos serem úteis e efetivas. Os métodos precisam de pouca explicação, pois são muito simples, uma vez que já descrevemos ao longo do capítulo muitos detalhes essenciais.

Japa: estágio 1

Método 1: vak-śuddhi
Assuma uma postura confortável.
Mantenha a coluna e a cabeça eretas, mas sem esforço.
Esteja consciente de seu corpo. Sinta como estável e relaxado ele está.
Não se apresse.
Imagine que é livre de preocupações ou que pelo menos elas não irão lhe incomodar enquanto executa a prática.
Inicie a repetição do mantra e a rotação da mālā. Comece pela conta após o sumeru.
Movimente cada conta sincronizadamente com a entoação do mantra.
Esteja consciente do mantra e da rotação da mālā simultaneamente enquanto observa os pensamentos na medida em que eles aparecem.
Não rejeite qualquer pensamento; deixe que os pensamentos surjam na superfície da mente, mas esteja consciente deles.
Tudo o que você precisa fazer é observar o processo da mente enquanto mantém a prática de japa: consciência total na repetição do mantra, na rotação da mālā e nos pensamentos que surgem na superfície da mente (pausa).
O mesmo se aplica aos distúrbios externos: esteja consciente deles, mas mantenha o foco no mantra e na rotação da mālā.
Continue até atingir o sumeru novamente. Não cruze o sumeru. Apenas gire a posição da mālā e reinicie a rotação, conta por conta (pausa).
Muitas idéias ou distrações irão surgir na superfície da mente; deixe-as, pois esta é a natureza tempestuosa da mente. Permaneça como uma testemunha deste processo. Após algum tempo, estes pensamentos irão diminuir e sua concentração irá aumentar. Se continuar neste processo, então visões profundas poderão aparecer. Esteja consciente delas. Deixe que surjam. Apenas observe (pausa).
Após a finalização da rotação da mālā e da entoação do mantra, observe o cidākāśa por alguns minutos.

Método 2: japa e pulso

Existem inúmeras maneiras diferentes de se praticar este método. O que aqui selecionamos deve ser executado mentalmente (manasi-japa) da mesma maneira que anteriormente, exceto que o mantra e a rotação da mālā deverão estar sincronizados com o pulso ou as batidas do coração.

Os lugares mais fáceis de sentir o pulso são:

1.     O centro entre as sobrancelhas
2.     O coração
3.     A garganta
4.     O umbigo

Você pode escolher qualquer outro lugar, mas deve ser onde sinta claramente o pulso ou as batidas do coração.

Nos recomendamos especialmente a consciência do pulso com manasi-japa após baikharī-japa. Isso intensifica a sensação do pulso. Para este método, aconselhamos ainda a consciência no centro entre as sobrancelhas (tṛkuti-japa).

Consciência

Como enfaticamente advertido, a consciência deve repousar na repetição do mantra, na rotação da mālā e nas atividades da mente. Esteja consciente do pulso se estiver praticando o método 2.

Quando e onde praticar

Você pode praticar japa a qualquer momento e em qualquer lugar. Contudo, a fim de disciplinar a mente, é melhor praticar regularmente todos os dias, sempre na mesma hora. Os melhores horários são logo pela manhã, assim que acordar ou à noite, antes de dormir.

Japa também pode ser executada como uma prática preparatória para outras técnicas meditativas. Isso irá acalmar a mente para que você possa ganhar o máximo de benefício na meditação.

Benefícios

Japa garante os mesmos benefícios de outras técnicas meditativas. Ela acalma a mente turbulenta e auxilia o praticante a expelir complexos, neuroses, fobias etc. A prática tem o poder de fazer isso sem desequilibrar a vida. Japa carrega a mente com positivas vibrações sonoras. Isso é uma terapia maravilhosa para pessoas cuja mente se encontra em um estado de tumulto e desequilíbrio. Japa provoca o unidirecionamento da mente sem forçar a concentração. Sua prática promove o despertar de incríveis faculdades latentes inerentes a todos nós. Finalmente, japa pode lhe levar aos estágios mais profundos de meditação.

Regras gerais e sugestões

A fim de deixar a prática mais clara, vamos sumarizar os pontos básicos que discutimos:

·         Use o mantra dado por seu guru. Se não possui um mantra pessoal, utilize um mantra universal.
·         Gire a mālā com o dedo médio, segurando cada conta com o polegar e dedo anular. Sempre use a mão direita, mesmo que seja canhoto.
·         Não cruze o sumeru após finalizar a rotação da mālā. Gire ou reverta a mālā e continue da conta que parou.
·         Relaxe a mente e o corpo, mas não durma.
·         Não force a concentração. Mas esteja consciente. Na concentração você introverte sua atenção que antes estava em todas as direções a um único ponto. Utilizando a consciência, você não irá se focar apenas no ponto de concentração, mas também nos pensamentos que surgem na superfície da mente. Não lute contra a mente, mas dome-a mantendo-se como uma testemunha de todas as suas atividades.
·         Se necessário, alterne sua prática entre baikharī, upanśu e manasi-japa. Se a mente está perturbada, mantenha-se em baikharī; se a mente estiver calma, mantenha-se em manasi. Se a mente começa a vaguear enquanto pratica manasi, retorne a baikharī.
·         Entoe o mantra de forma clara e rítmica. Se a mente começa a vaguear, aumente a velocidade.
·         Não revele seu mantra a ninguém.
·         Tente praticar japa com regularidade. Será melhor se combinar sua prática com anuṣṭhana.
·         Reflita sobre o significado do mantra sempre que possível.


Na medida em que a mente subconsciente é progressivamente purificada e o praticante avança nas práticas meditativas, gradativamente ele se confronta com a enormidade de sua psique e uma quantidade esmagadora de visões, premonições sobre o futuro e muitas outras experiências. Uma vez que é essencial observar as inúmeras manifestações que ocorrem na psique como uma testemunha, o praticante não deve se envolver, não deve se encantar ou se deixar oprimir por elas. Observe-as de todas as maneiras, mas não se distraia na medida em que se aprofunda nas camadas mais inacessíveis de sua mente. É possível ir mais fundo, muito mais fundo do que a imaginação pode conceber.

Não se apegue ao exterior. Observe, experiencie, permaneça sempre como uma testemunha. Seja desapegado... seja consciente. Essa é a maneira de não se deixar seduzir ou se distrair na medida em que mergulha nas profundezas de si mesmo. Pode ser que neste momento você não esteja explorando os níveis mais profundos de sua psique, mas com força de vontade e continuidade de propósito, logo estará. Fazemos essa advertência para que você tenha isso em mente quando iniciar suas investigações nos incríveis reinos da psique que se encontram além do subconsciente. Não se prenda ao cenário agradável – ele é muito bonito mesmo – na medida em que caminha em direção ao centro de seu Ser. Sempre se lembre que o objetivo é explorar e experienciar a essência de seu Ser. Portanto, não se perca.

Reflexão

A prática de japa pode trazer benefícios maravilhosos se você reflete sobre o significado do mantra. Isso pode ser feito durante a prática ou através do dia. Mas a necessidade de se conhecer o verdadeiro significado do mantra precisa vir do coração. A prática não trará resultados se a necessidade não vir do interior. Cada mantra possui inúmeras camadas de vibração que precisam ser exploradas. Você precisa se fundir com o mantra e experienciar tudo o que ele evoca. Cada mantra representa algo que não pode ser explicado em simples palavras. É preciso vivenciar o mantra. É por isso que no início nós não aconselhamos as pessoas a se apegarem ao significado do mantra. Quando explicamos o significado do mantra para os iniciantes sua prática pode se tornar superficial, pois o intelecto irá atuar em demasia na prática. Na verdade, você precisa descobrir o significado do mantra por si mesmo, pois nenhuma pessoa jamais poderá explicar o significado de um mantra para outra pessoa sem ferir sua grandeza e profundidade. A explicação jamais transcenderá o abismo que existe entre o significado verbal e a experiência direta.

O processo de reflexão no significado do mantra intensifica japa-sādhanā. Mas isso é para os praticantes mais experientes que desenvolveram o poder de penetração e inquirição da mente. Essas qualidades se apresentam nos praticantes que possuem uma mente calma e unidirecionada. Portanto, não se sinta obrigado a refletir sobre o significado do mantra durante a prática de japa. Japa lhe proverá resultados maravilhosos sem essa reflexão, mas ela leva aos frutos mais elevados de japa-sādhanā.

Devoção

A devoção é outro método poderoso para se intensificar a prática de japa. Ela deve ser praticada pelas pessoas naturalmente inclinadas a adoração, pessoas que possuem um notável caráter emocional.

Cada mantra é uma śakti, uma conexão direta com o divino. Portanto, quando entoar seu mantra, sinta que está comungando com a essência divina. Sinta amor em seu coração e ao mesmo tempo esteja consciente de todas as associações que envolvem o mantra. Deixe que esse sentimento interior de completude (bhava) preencha todo seu Ser. Eventualmente seu coração entoará o mantra espontaneamente. Isso intensificará todo processo de japa.

Japa-sahita-dhyāna

A palavra sânscrita sahita significa junto com ou combinado com. A palavra dhyāna significa meditação. Portanto, essa prática é a combinação de japa com consciência do símbolo interno (antar-trāṭaka).

Se você entoa o mantra auṃ pode utilizar seu símbolo correspondente como foco para sua atenção. Se você possui um mantra pessoal e conhece seu símbolo, use-o, caso contrário, escolha qualquer outro símbolo que possua conexão com seu mantra. Se possui um iṣtā-devatā (deidade particular escolhida para adoração), pode usar sua imagem (trāṭaka). Mas se não chegou neste nível de desenvolvimento, procure as instruções de um professor qualificado.

Incidentemente, cada mantra está inseparavelmente associado a um símbolo ou forma definida. Portanto, se sua mente atinge um profundo estado de relaxamento, unidirecionamento e receptividade, e se ela estiver completamente preenchida e energizada pela vibração sonora do mantra, o símbolo psíquico que possui conexão direta com o mantra irá surgir espontaneamente na percepção consciente. Indo neste caminho, você encontrará a forma exata ou o símbolo de seu mantra.

O método é basicamente o mesmo que descrevemos na lição anterior, mas você deve visualizar o símbolo escolhido na frente de seus olhos fechados. Se for inclinado a adoração, pode praticar a devoção, conectando o mantra a deidade particular ou pode refletir sobre o significado do símbolo e do mantra.

Se a sua mente não está direcionada será muito difícil visualizar uma imagem clara. Portanto, nós primeiro recomendamos que você acalme a sua mente e remova os construtos de pensamento que a distraem praticando os métodos 1 e 2 descritos acima. Quando a mente se tornar concentrada, então pratique japa-sahita-dhyāna. Esta é uma prática mais difícil, mas é também mais poderosa. Sua consciência deve fluir junto com o mantra, o símbolo e a rotação da mālā. Se você encontra dificuldade em manter uma imagem interior fixa, pratique os métodos apresentados no módulo anterior.

Likhit-japa

A palavra likhit significa escrever. Portanto essa prática pode ser chamada de japa ou repetição escrita. Ela envolve a escrita da forma do mantra inúmeras vezes em um diário. Por exemplo, você pode escrever o símbolo do auṃ: \\\\\\\. Mas pode também escolher o símbolo que achar necessário.

As letras devem ser pequenas e bem claras. Isso aumentará a concentração. Escreva cada símbolo com o máximo de cuidado, proporção e senso de beleza. Faça com que cada símbolo seja uma obra de arte, pelo menos para você.

Na medida em que escrever cada mantra, o entoe mentalmente. Isso pode não parecer uma prática meditativa, todavia ela é. Se você escreve páginas e páginas de símbolos e simultaneamente entoa seus respectivos mantras, estará induzindo o equilíbrio e o unidirecionamento da mente. Se você associar a escrita com a devoção e | ou a reflexão no seu significado, a prática será potencializada. Essa é uma técnica muito difundida na Índia. Durante o mês de śravana, os hindus tradicionalmente colhem inúmeras folhas de uma árvore chamada bilva. O mantra Auṃ Namaḥ Śivāya é escrito nas folhas com pó vermelho e elas são oferecidas ao Senhor Śiva. Essa prática é executada durante todo o mês e gera grande devoção.

Este é o tipo de técnica que pode ser executada aos domingos à tarde, ao invés de se ler um jornal ou dormir.

Sumirani-japa

Este é um tipo de japa para ser executada durante todo o dia. É geralmente feita com uma mālā de 27 contas, levada pelo praticante a todos os lugares, em todas as ocasiões. No Ocidente isso não é nada prático, mas este é o método tradicional. Para pessoas que empreendem um sādhanā durante todo o tempo, essa é uma pratica efetuada continuamente. Quer dizer, seja qual for à circunstância, a mālā é circulada e o mantra é mentalmente entoado. Com proficiência, essa prática continua até durante o sono. O objetivo é fazer com que o mantra eventualmente surja dos rincões mais profundos de seu Ser. Neste ponto, você não precisará entoar o mantra, ele estará sendo entoado o tempo todo espontaneamente. Todo seu Ser irá ressoar com o mantra. A mālā irá girar por si mesma. Isso transformará a mente em um veículo incrivelmente unidirecionado e poderoso, o que trará frutos bem-sucedidos a prática espiritual na medida em que induz o estado meditativo profundo. É um método poderoso, mas não é nada prático a pessoa de mente comum. É difícil fazer rotações na mālā enquanto se conversa com o patrão, enquanto dirige um carro etc., mas é uma prática que você pode tentar em um feriado, quando estiver caminhando ou nas horas vagas. Se você entoa seu mantra regularmente durante as horas de folga, eventualmente o mantra se manifestará automaticamente quando estiver executando suas tarefas. Ele continuará sendo entoado no plano de fundo de todas as suas ações. Esta é uma técnica poderosa que pode levá-lo a experiências elevadas.

Ajapa-japa

Essa é a repetição (japa) que ocorre espontaneamente (ajapa) em harmonia com os ritmos naturais do complexo corpo-mente. Nós lhe introduziremos ao tema na próxima lição deste módulo.

Nota geral

Japa só se tornará poderosa na medida em que for praticada com regularidade e sem falha.

Mālā

A mālā é um cordão de pequenas contas separadas umas das outras por um tipo especial de nó chamado brahma-granthi ou nó da criação. As contas são delicadamente distribuídas ao longo de um forte filamento de linha e são em número de 108, mas existem mālās de 54, 27 e 11 contas para sādhanās (práticas espirituais) específicas.

Cada mālā tem uma conta extra, adjacente ao ilhó final. Ela é chamada de sumeru (junção ou cume de conta) e serve como um ponto de referência para o praticante saber quando terminou a rotação completa na mālā. A mālā é parte essencial das principais técnicas de japa-yoga. Ela é um instrumento para se manter a consciência.

Mālās são comumente feitas de sementes de tulsi, sândalo, rudrākṣa ou pequenos cristais. A mālā feita de tulsi é a mais comumente usada para japa. Tulsi é uma planta sagrada e largamente venerada que contém muitas propriedades curativas e auxilia no desenvolvimento de faculdades psíquicas. Ela tem um forte efeito purificante sobre as emoções e acalma a mente. Os devotos de Viṣṇu utilizam esta mālā pois tulsi é considerada como uma encarnação de Lakṣmī, esposa de Viṣṇu. Mālās de sândalo são suavemente perfumadas e possuem vibrações de proteção e também acalmam a mente. Elas contêm propriedades refrescantes e são ótimas para pessoas que possuem problemas na pele. Rudrākṣa é a semente da fruta de uma árvore nativa consagrada a Śiva que só nasce em mata fechada. A mālā de rudrākṣa é considerada a mais poderosa e efetiva para a prática de japa e é utilizada pelos devotos de Śiva. Rudrākṣa influencia magneticamente a circulação sanguínea, fortalece o coração e é recomendada as pessoas que sofrem de pressão alta. As mālās de cristal possuem propriedades psíquicas e são utilizadas por aqueles que adoram Devī.

Mālās não são utilizadas apenas por adeptos tântricos e yogīs. Os praticantes do Budismo Mahāyana também utilizam mālās de 108 contas em suas meditações. Entretanto, suas mālās contém três contas extras representando o refúgio em Buda, Dharma (deveres, código de convivência, caminho espiritual) e Sangha (ordem de monges budistas). Os católicos romanos utilizam um rosário de 54 contas. Na Grécia e outros países dos Bálcãs onde a Igreja Ortodoxa Grega é predominante, todos os homens carregam um rosário onde quer que vão e circulam as contas o máximo que podem. Sem seus rosários, eles se sentem nus. A razão pela qual eles circulam as contas do rosário o tempo todo, em todas as atividades, é para manter o fluxo da consciência no que estiverem fazendo, mantendo a mente focada na atividade.

O propósito da mālā

Muitas pessoas têm curiosidade sobre o porquê da mālā ser usada na prática de meditação com japa e se têm de usar uma e como manuseá-la. Antes vamos falar do propósito da mālā. Por conta de sua natureza, a mente não permanece estável por um longo período de tempo. Portanto, faz-se necessário um mediador ou uma base de auxílio pela qual podemos saber se estamos conscientes ou não. Utilizamos a mālā como um mecanismo pelo qual podemos acordar daqueles momentos onde perdemos a consciência e nos esquecemos daquilo que estamos fazendo. Também utilizamos a mālā para verificar o andamento da prática e sua qualidade.

Inicia-se a prática de japa a partir da conta sumeru e segue-se girando a mālā ritmicamente, conta por conta. A mālā desliza em um fluxo contínuo até ser interrompida novamente pelo sumeru.

A partir de determinado estágio de japa, quando a mente se torna calma e serena, é possível que os dedos fiquem inertes. Eles ficam momentaneamente paralisados enquanto você permanece completamente inconsciente do processo. Às vezes a mālā pode cair no chão. Quando essas coisas ocorrerem, saiba que se distanciou do objetivo de japa, quer dizer, você falhou em manter o fluxo da consciência. Se não está com a mālā na mão enquanto pratica japa, como saberá o que está experimentando. É a continuidade de foco na mālā que irá demonstrar seu estado de consciência. Se estiver focado na mālā e nos dedos a cada conta, então estará consciente. Quando japa for executada corretamente e a concentração ocorrer, a mālā continuará a se movimentar quase que automaticamente, mas de forma consciente.

A mālā pode ser algo que seu intelecto não aceita, mas para que haja sucesso na prática de japa, a mente necessita de uma ferramenta.

O fato da mālā ter 108 contas precisa de uma explicação. Existem inúmeras teorias nas escrituras sobre este ponto. Vamos ver alguma coisa. 1 representa a consciência suprema; 8 representa os oito aspectos da natureza, consistindo dos cinco elementos fundamentais (terra, água, fogo, ar e éter), mais ahaṃkāra (princípio de egoidade), manas (mente) e buddhi (sentido de percepção intuitiva); 0 representa o cosmos, todo o campo da criação. De outra maneira: 0 é Śiva; 8 é Śakti e 1 é sua união (yoga).

Alguns acadêmicos acreditam que 108 representa o número de crânios na guirlanda que adorna Kālī, venerada como a Grande Mãe e a Senhora da Realização yogī, mas por muitos é considerada a deusa da destruição. É dito também que 108 é o número de encarnações do jīva (a alma ou consciência individual) antes da realização espiritual

Existem explicações similares para os números 27, 54, 57, 1001 etc., todos usados em mālās. Mas estes números possuem profundos significados psíquicos. São números escolhidos que auxiliam a experiência de estados de consciência auspiciosos enquanto se pratica japa. Eles foram recebidos pelos antigos videntes (ṛṣīs) e são apropriados para experiências psíquicas. A explicação destes números serve apenas aqueles que procuram uma abordagem mais intelectual da prática.

Além das 108 contas da mālā, existe ainda o sumeru, a conta extra que representa o topo da passagem psíquica conhecida como suṣumnā-nāḍī. Por esta razão o sumeru ou meru é às vezes chamado de biṅdu. As 108 contas representam os 108 centros, estações ou campos através dos quais sua consciência viaja até o biṅdu e retorna. Estes centros são cakras menores e eles representam o progressivo despertar da mente. O biṅdu é o limite desta expansão mental.

Como usar a mālā

Existe um método especial de segurar a mālā. Ela deve ser manuseada com a mão direita, suportada pela ponta do polegar unida ao dedo anular. O polegar não é utilizado para girar a mālā e os outros dedos (indicador e mindinho) não devem tocar na mālā. O dedo médio movimenta as contas.

Quando utilizar a mālā, não cruze o biṅdu. Inicie a prática a partir da conta imediatamente posterior ao biṅdu e quando terminar o rotação total, finalize na conta imediatamente anterior ao biṅdu. Neste ponto, vire a mālā e continue a prática. Sempre gire a mālā sobre ou na direção da palma da mão.

Tradicionalmente, japa é praticada enquanto se mantém a mão direita na frente do peito. Desta maneira o mantra pode ser entoado em sincronia com as batidas do coração. Manter a mão na frente do peito intensifica o sentimento de entrega e concentração no mantra. A mão esquerda deverá estar sobre o colo em cin, jñāna ou cinmaya-mudrā. A mão esquerda também pode segurar a mālā, evitando que ela oscile ou se enrole, prejudicando a concentração na passagem das contas pelos dedos. Se preferir, a mão direita pode ser colocada sobre o joelho direito. Neste caso a mālā descansa no chão.

Pode-se contar o número de rotações na mālā mentalmente ou utilizando a mão esquerda como se segue: após uma rotação na mālā, coloque a ponta do polegar esquerdo na linha da primeira junta na base do dedo mindinho. Após a segunda rotação, escorregue a ponta do polegar para a linha da segunda junta. Após a terceira rotação, escorregue a ponta do polegar para última linha da junta do dedo mindinho. Seguindo, após a quarta rotação, leve a ponta do polegar esquerdo na linha da primeira junta na base do dedo anular esquerdo e assim por diante. Desta maneira você contará doze rotações na mālā.

A mālā utilizada para prática de japa não deve ser usada ao redor do pescoço. Quando não estiver sendo utilizada, deve ser mantida em segredo, guardada em um pequeno saquinho de pano ou envolta em um pano especialmente consagrado para guardá-la. Isso evita qualquer mudança ou influência negativa de vibrações sobre a mālā. Nunca empreste sua mālā para outras pessoas. Seja quem for à pessoa, ele nunca deve tocar ou ver a mālā com que executa suas práticas meditativas. Mālās utilizadas para decoração não são apropriadas para uma prática séria de japa.

Uma mālā usada diariamente se tornará, com o tempo, impregnada com vibrações positivas. Após alguns meses, no momento em que tocar a mālā, irá se tranqüilizar e terá quietude e estabilidade na mente.

Se você pratica japa-mālā muitas vezes por dia, poderá ficar com os braços cansados se estiver com a mão na frente do peito. Neste caso, você pode usar um suporte (eslinga) para o braço.

O uso da gomukhi

Se você executa longas práticas de japa durante o dia, o uso da gomukhi é recomendado. A palavra gomukhi significa na forma da boca da vaca. É um pequeno saquinho que se assemelha a boca de uma vaca. A mālā e a mão direita são colocadas dentro da gomukhi para que estejam longe da visão de outras pessoas. A gomukhi pode ser utilizada enquanto se caminha ou a qualquer momento, mas é particularmente útil para aqueles que estão engajados em anusthana-sādhanā (prática de japa por um período fixo prolongado). Na verdade, para estas pessoas, o uso da gomukhi é essencial.

A mālā muitas vezes pode não ser aceita facilmente pelas pessoas ocidentais em um nível intelectual, mas sem que estejam conscientes disso, elas têm aceitado a mālā intuitivamente. Já passou pela sua cabeça de onde vem essa moda de utilizar colares de pérola ou outras pedras e adornos decorativos? Nas culturas arcaicas, contas (mālās), anéis e amuletos eram utilizados para finalidades espirituais e desde aqueles tempos, as pessoas têm sido atraídas por esses adornos. Nos dias de hoje, em nome da moda, homens e mulheres utilizam esses adornos com finalidades puramente estéticas.

1 comentários:

Felipe Leal" 13 de novembro de 2013 às 07:16  

Boa tarde. Quando mencionou que o Japa de pulso, deve ser usado em sincronia com os batimentos do coração, isso quer dizer que seria entoado por uma período curto, correto ?

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