A Mente & o Gerenciamento de suas Funções #2
. segunda parte .
Por Fernando Liguori
[Satsanga realizado durante os
nove meses do Curso de Aprofundamento em Yoga ministrado pelo Instituto Kaula
em 2011.]
A função de citta
A segunda função de mahat é citta, o aspecto da mente que
abrange a memória, o inconsciente profundo, o solo onde as sementes dos saṃskaras
são plantadas e nutridas. A atividade de citta opera em função das
memórias e experiências obtidas no curso da vida e que se tornaram parte de
nosso entendimento, natureza ou svabhava.
Quando olhamos para um objeto, citta torna-se ativa e busca nos
arquivos da memória onde aquele objeto já foi visto. É a sua função trazer a
clara luz o arquivo da memória onde aquela experiência estava guardada, mesmo
que tenha ocorrido há muitos anos. O evento passado é recordado e experienciado
novamente no presente, com toda clareza e pessoas envolvidas. Em uma fração de
segundos o objeto é identificado! Neste momento, o arquivo da memória tornou-se
parte da experiência presente.
É citta quem decide o que é desejável ou não para nós. Nossas memórias do passado nos ajudam
a compreender melhor as interações do presente. Se olharmos um objeto que nunca
tivemos contato, ele não terá significado ou utilidade para nós, mas se já
tivemos alguma experiência com ele, imediatamente a memória trará lembranças de
como utilizá-lo. Uma faca pode ser utilizada para cortar vegetais, esfaquear
alguém ou servir como instrumento de corte em uma operação para salvar uma
vida. Contudo, se não tivermos nenhuma memória destas três funções da faca, não
seremos capazes de utilizá-la. Se você utiliza a faca apenas para cortar
vegetais e nunca esfaqueou ninguém, então essa memória não estará impressa na
fita de sua memória, citta. Portanto, a conexão com o mundo, os
sentidos e seus objetos, o reconhecimento do meio ambiente, escolhas, gostos e
desgostos, ocorrem por meio de citta na medida em que ela traz a tona
impressões passadas e memórias.
Citta é o campo de atuação ou contém as expressões de prazer
e dor. A experiência de prazer
ou dor não está sob a atividade de buddhi ou manas, mas sim de citta.
Uma lembrança da infância pode ser prazerosa ou dolorosa e seja lá onde ou
quando essa memória precipitar, sua emoção correspondente também se
precipitará. Uma memória prazerosa trará felicidade; uma memória dolorosa trará
sofrimento. Dor e prazer, portanto, surgem de citta. Quando alguém lhe
pergunta, «como está se sentindo?» e você responde, «estou feliz», não é manas,
buddhi ou o ego falando, mas citta analisando e
respondendo. Citta lhe incita a dizer, «estou feliz», pois ela analisou
o momento como bom ou ruim através das experiências passadas. Citta
aprecia e nega; ela define o que é bom e o que não é; ela é responsável por
suas associações: às vezes se associa e às vezes se desassocia, dependendo
daquilo que ela vê como bom ou ruim, prazer ou dor.
O gerenciamento de citta através da meditação
Muitos problemas psicológicos têm suas raízes em citta; eles não
estão enraizados nos reinos de buddhi ou nos domínios de manas,
muito menos são uma expressão do ego. Muitos problemas psicossomáticos
estão firmemente enraizados em citta. Existe uma história que aconteceu
com um médico australiano que chegou no aśram de Swami Satyananda na
década de setenta que ilustra esse tópico.
O médico em questão sofria de asma desde a infância. Naquele período, a
medicina não oferecia quase nenhum tipo de ajuda. Portanto, os medicamentos
disponíveis não ajudavam muito o pequeno menino. Na medida em que crescia,
tomou a decisão de se formar em medicina e se especializar em doenças que
acometiam o sistema respiratório, a fim de que pudesse, ele mesmo, vencer a
doença. Contudo, a asma só se agravava na medida em que ficava mais velho.
Em 1976 ele conheceu Swami Satyananda e tornou-se seu discípulo. Na época,
swamijī disse a ele, «até o momento você usou inúmeros medicamentos que não
surtiram efeitos, não é mesmo?» O médico respondeu, «é verdade, todo
medicamento que tomei falhou em me ajudar a vencer a asma.» Swamijī disse, «a
partir desse momento medite.» O medico iniciou uma prática meditativa que
incluía āsana, prāṇāyāma e o estilo de vida yogī em um aśram.
Um dia ele teve um flash, uma visão durante sua meditação. Uma
memória precipitou-se na superfície da mente onde ele se viu como um bebê nos
braços de uma babá. A babá lhe forçava uma comida que ele não desejava garganta
abaixo. Ela lhe ameaçava, «se você não comer eu vou contar a sua mãe e ela lhe
colocará de castigo.» Como um bebê ele não podia analisar ou entender o que ela
dizia, mas escutou as palavras «castigo», «contar» e «mãe». Então engoliu a
comiga e um bloqueio se formou.
Essa foi a causa de sua desordem respiratória. Depois de descobrir essa
memória durante a meditação, ele se viu livre do constrangimento dos sintomas
da doença. Tornou-se um swami renomado e autor de livros inspirados como O
Gerenciamento da Asma & Diabetes Através do Yoga. Quando retornou a
Austrália, se submeteu a alguns testes e descobriu estar livre da asma. Essa é
a história de Swami Shankardevananda Saraswati.
O que esse incidente indica? Uma memória em citta tornou-se a causa
de seu problema de saúde. Quando ele reconheceu essa memória, imediatamente a
causa do problema foi reconhecida e removida. Ocorreu uma aceitação consciente
de algo que tivera acontecido há muito tempo, o que o levou a encontrar paz em
seu interior. Essa é a função de citta.
Gostos e desgostos também são uma função de citta. Quando dizemos, «eu gosto disso, eu
não gosto daquilo, desejo isso, não desejo aquilo», é uma expressão de citta.
As memórias nos permitem apreciar, gostar, aceitar e desejar da mesma maneira
que rejeitar, negligenciar, desgostar e não desejar. Quando vamos a um
restaurante e pedimos o cardápio, selecionamos imediatamente os sabores que
experimentamos e apreciamos anteriormente. Se nos é oferecido algo novo, a
tendência imediata é hesitar. Podemos vacilar, «talvez eu não goste disso» ou
«sei lá se isso é ruim». Na medida em que não temos a memória, a dúvida
surgirá. Uma vez que já tenhamos memória de algo, a resposta sempre é clara.
Para gerenciar as manifestações e expressões de citta, o
caminho é a meditação. Quando swamijī instruiu
o médico na prática da meditação, os véus de sua mente caíram um a um e ele
pode ver a memória de sua infância e descobrir a causa de sua doença. Uma
condição que não pode ser curada através de nenhum medicamento foi superada
através da meditação. Swami Satyananda sabia que a doença que lhe acometia não
era de natureza fisiológica, ele sabia que ela estava enraizada em citta,
em uma impressão, uma memória. As escrituras do Yoga nos ensinam que devemos
meditar com regularidade para gerenciar as atividades de citta e a percepção
dos gostos e desgostos que surgem dela.
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