A Concentração & sua Importância
Por Fernando Liguori
Concentração é o
unidirecionamento da mente, a habilidade de manter a consciência focada em um
ponto, sem oscilar. O aperfeiçoamento da
concentração induz a meditação. No estado de concentração, a mente não está
consciente do ambiente exterior ou das coisas periféricas que cercam o objeto
de concentração.
Por que a concentração profunda e intensa é tão poderosa? Isso pode ser
melhor ilustrado pela comparação da mente de uma pessoa normal a uma lamparina.
As luzes da lamparina se expandem para todas as direções; a energia que emana
do centro da lamparina, do filamento interior, é dissipada, propagando-se em
todas as direções. Se você ficar a cinco passos da lamparina poderá ver sua
luz, mas não sentirá o seu calor, mesmo que haja um calor intenso no centro da
lamparina, no filamento. Da mesma maneira, a mente de uma pessoa comum possui
um vasto potencial latente e um incomensurável poder em sua fonte, seu centro,
mas este potencial e poder são dissipados em todas as direções. A mente pensa
inúmeras coisas continuamente, uma após a outra, sem vivenciar ou se aprofundar
em nada do que pensa. Quer dizer, o poder está presente em todas as pessoas,
mas ele não é canalizado, direcionado ou mesmo utilizado.
A ciência produziu o raio laser,
algo que na época foi largamente utilizado como entretenimento pela indústria
cinematográfica. Para se produzir o laser é necessário que todos os raios de
luz estejam alinhados a partir de uma única fonte, de maneira que eles em
uníssono vibrem em harmonia na mesma frequência. A fonte original de onde sai à
luz não precisa ser grande, pelo contrário, ela pode ser bem menor que o
filamento da lamparina citada acima. Mas se você ficar a cinco passos da fonte
do raio laser seu feixe direcional instantaneamente pode abrir um buraco
através de seu corpo. Este é o poder da
luz concentrada. O pensamento concentrado, embora não abra um buraco em seu
corpo, tem um vasto poder. Uma mente concentrada age como um irresistível
instrumento de ação. Ela conduz a
eficiência em todos os aspectos da vida, é um dínamo que gera vitalidade e
entusiasmo em qualquer direção que se projete. Uma mente concentrada é um
instrumento de recepção sensitiva, quer dizer, ela se torna receptiva as
vibrações elevadas e possui a percepção aguçada. Neste caminho, ela se torna o
mecanismo receptor da consciência cósmica, bem-aventurança e conhecimento
superior. Normalmente, tudo isso está muito além de uma mente comum, pois esta
é constantemente perturbada e distraída pelo contínuo murmúrio interior dos
pensamentos. Portanto, a concentração é a
chave que abre as portas para os estados elevados de consciência.
A qualidade da mente
Uma mente concentrada é uma mente poderosa e uma mente dissipada é uma
mente fraca. Para que você possa desenvolver o poder da mente, necessita
primeiro desenvolver a concentração mental. Uma mente que se dissipa facilmente
não tem poder. Se seus pensamentos estão dispersivos, eles podem ser
unidirecionados através de específicas práticas de concentração. Dessa maneira
sua mente se tornará tão poderosa que você poderá até influenciar a mente de
outras pessoas e mudar seu próprio caráter, melhorar sua saúde e transformar
toda sua vida. Se você possui alguma desordem estomacal, mental ou respiratória,
pode modificar seu quadro clínico apenas pelo poder de sua vontade. Como pode
desenvolver o poder de sua vontade? O
segredo é concentrar a mente em um ponto e ali permanecer sem oscilar. Uma
mente forte pode fazer isso.
O que queremos dizer por mente forte?
Uma mente forte é aquela que pode tomar suas próprias decisões. Em contraste,
uma mente fraca é aquela que decide alguma coisa, mas faz outra. Você diz: a partir de amanhã vou fazer determinada
coisa. Mas quando o amanhã chega, você se esquece completamente da decisão.
Você continua sempre sendo a mesma pessoa porque sua mente continua sempre se
dissipando. Portanto, o poder de
transformação da vida está conectado ao poder de concentração da mente.
Todos os grandes homens que forjaram seus nomes nos livros da história, sejam
eles artistas, escritores, músicos, políticos, estadistas, líderes militares,
cientistas ou santos, conquistaram sua posição pela qualidade de suas mentes.
Eles não se tornaram grandes pelo capricho da natureza ou por um golpe do
destino. Não, eles se tornaram grandes pela qualidade de suas mentes. Eles
tinham uma mente forte e concentrada e, portanto, uma mente talentosa.
Se você quer fazer algo ou se tornar alguém na vida, a qualidade de sua
mente tem de ser refinada. Se você possui uma baixa qualidade mental, então seu
desempenho em todas as esferas da vida será parco, estéril e débil. Se você
possui alta qualidade mental, então seu desempenho será correspondentemente
elevado em todas as esferas da vida. Para desenvolver uma alta qualidade
mental, terá de analisar a si mesmo e seus objetivos, terá de se organizar e
dedicar algum tempo a prática de concentração pela manhã e a noite.
Objetos de concentração
A concentração pode ser praticada de várias maneiras. O objeto de concentração
pode ser qualquer um dos centros localizados no corpo como o cidākāśa, hṛdayākāśa ou daharākāśa,
nos cakras etc. A concentração também
pode ser feita nas diferentes partes do corpo, no processo físico, na
estabilidade corporal, no relaxamento ou tensão do corpo ou no processo
respiratório.
Qualquer objeto pode ser utilizado como foco para concentração.
Entretanto, uma vez selecionado o objeto, você deve utilizá-lo dia após dia em
sua prática. Ele deve chamar sua atenção, atraí-lo espontaneamente. Para
algumas pessoas o objeto aparece por si mesmo em visões, sonhos ou insights
intuitivos. Essa é a melhor forma de seleção do objeto, pois é espontânea e
está em concordância, na maioria das vezes, com a natureza do indivíduo. Outras
pessoas, contudo, terão de encontrar um objeto adequado a sua natureza por
conta própria. Para auxiliar essas pessoas, preparamos uma lista de objetos
adequados a prática de concentração. Essa lista dá uma ideia de quão vasto o
assunto é e quantos objetos podem ser escolhidos para prática. O número é
ilimitado e os itens que se seguem são apenas exemplos. Talvez algum dos
objetos aqui listados irá atraí-lo de imediato, mas talvez não. Neste caso,
você terá de usar sua imaginação nos estágios iniciais da prática até que o símbolo
adequado a sua natureza apareça espontaneamente. Isso acontecerá quando você
estiver completamente relaxado.1
Deuses, santos e pessoas: Viṣṇu, Brahma, Śiva, Trimurti, Sītā,
Rāma, Rādhā, Kṛṣṇa, Saraswatī, Pārvatī, Gaṇeśa, Hānuman, Lakṣmī, Durgā, Kālī,
Varuna, Vāyu, Īndra, Sūrya, Soma, Cristo, Maria, Buda, Lao-Tsé, Milarepa,
Naropa, São Francisco de Assis, Swami Sivananda, seu guru, alguma outra deidade
ou santo, seu pai, sua mãe, seu marido, sua esposa, seu filho, sua filha, seu
amigo, professor ou alguém que o inspire.
Objetos sagrados: śivalinga,
tridente, śaligrama, jyoti, cruz, altar, janelas de uma
catedral, eucaristia, cálice, candelabro, bola de cristal, sacerdote, estátua
de algum santo padroeiro, imagens tântricas, arcanjos, guirlanda de crânios ou
a kuṇḍalinī.
Lugares sagrados: templos, igrejas, capelas, catedrais,
pirâmides, monastérios, santuários, aśrams
ou pagodes.
Cenários naturais: montanhas, vales, oásis, dunas,
selvas, florestas, jardins, flores, chuvas, tempestades, tornados, relâmpagos,
oceanos, ondas do mar se chocando contra as escarpas, pôr-do-sol ou montanhas
de gelo.
Animais: elefante, antílope, leão, tigre,
macaco, águia, pavão, borboleta, crocodilo, cobra, cachorro, gato, cavalo ou
peixe estrela.
Símbolos, elementos e
pedras: Terra, Fogo, Água, Ar,
Éter, Tamas, Rajas, Sattvas; Aquário,
Peixes, Virgem, Libra, Gêmeos, Capricórnio, Sagitário, Escorpião, Leão, Touro,
Câncer e Áries; Lua, Marte, Vênus, Saturno, Júpiter, Netuno, Mercúrio, Urânio,
Plutão e o Sol; rubi, ônix, ágata, safira, diamante, jaspe, topázio, cristal,
ametista, opala, jade, granada, pérola, berilo; liga de peltre, aço, ouro,
prata, latão, estanho e cobre.
Cores e formas: vermelho, azul, verde, amarelo,
índigo, laranja, rosa, preto, branco, púrpura, luz solar, luz lunar, luz do
fogo, chama da vela, relâmpago, estrela, hexagrama, retângulo, coração, ovo
dourado, bīja-mantra, yantra, diagramas dos cakras, maṇḍalas e nāḍīs.
Evite confrontos mentais
Você pode se concentrar em qualquer grande santo, luz, som, cor, forma,
pensamento ou qualquer coisa que deseje, mas uma coisa deve estar bem clara:
para iniciar sua prática de concentração não é necessário selecionar um símbolo
religioso. Às vezes um pensamento que produza grande impressão na sua consciência
pode ser usado de forma mais eficaz. Não existe razão para lutar contra a
mente. Durante a prática de concentração você pode estar tentando se concentrar
em um símbolo religioso, mas sua mente pode não concordar por conta de seus
condicionamentos. Quando você tenta se concentrar em algo contrário aos seus
condicionamentos mentais, a mente drena sua concentração do objeto escolhido.
Contudo, quando você se concentra em coisas ordinárias que não se chocam com
seus condicionamentos, não existe distração.
Quando você tenta se concentrar em um símbolo errado, a distração ocorre
porque se inicia uma contenda mental. Portanto, é importante que você
compreenda que quando se inicia a prática de concentração, deve haver o mínimo
de confronto com os condicionamentos da mente. Não há porque lutar contra a
própria mente. Quem está lutando com quem? Não existem duas mentes. A
consciência é uma, mas por conta da diversidade existem vários vṛttis, quer dizer, padrões mentais.
Quando você confronta a si mesmo está criando uma querela entre seus próprios vṛttis, e quando esse confronto se torna
intenso, o que ocorre é um ataque esquizofrênico. A maioria dos pacientes
mentais são vítimas de suas próprias mentes.
Portanto, se você não está conseguindo se concentrar em nenhum dos
símbolos sugeridos acima, então escolha o seu próprio símbolo. O importante é que o símbolo escolhido deve
ter uma força de atração que sua mente automaticamente é atraída para ele de
forma que se integre completamente nele. Quando a prática caminha nessa
direção, então a concentração é facilmente conquistada.
A habilidade de se
concentrar
A concentração é explicada na Kaṭha
Upaniṣad (2:3:11) por Yama, o Senhor da Morte, a Nachiketas, um jovem
buscador:
O
firme controle dos sentidos e da mente é o yoga da concentração. Esteja atento
a esse yoga pois ele é difícil de se conquistar e fácil de se perder.
A palavra concentração significa
unidirecionamento. Assim como nós
precisamos de um lápis afiado para escrever ou uma faca afiada para cortar, a
mente precisa estar afiada através das práticas de concentração. Nós não
podemos cortar com uma faca cega ou escrever com um lápis sem ponta, pois a
pressão aplicada se espalha por uma área bem maior. Ela não está concentrada. A
importância da mente concentrada no dia-a-dia é vastamente reconhecida, mas a
mente ordinária não funciona de maneira concentrada. Ela se dissipa em várias
direções e tenta abranger muitos pontos. Portanto, não estamos capacitados a
utilizar sequer a mínima fração de nosso potencial, de nosso poder mental.
Nós conhecemos muitas coisas na vida. Sabemos muito sobre nosso trabalho,
nossos familiares, a sociedade e o mundo que nos cerca, história, ciência e
política, mas não sabemos como controlar e dirigir a mente. O poder da
concentração não foi desenvolvido na maioria de nós. Em nossa infância e nos
primórdios de nosso crescimento não passamos por um treinamento que pudesse nos
auxiliar a controlar e dirigir a mente. Por conta disso, na medida em que
crescemos nossa mente se torna mais dissipada enquanto acumula mais tensões,
angústias e aborrecimentos. Isso resulta em uma incrível perda de acuidade
mental, decisões equivocadas, conduta ineficaz, memória fraca e finalmente a
senilidade.
Podemos ser mestres da tecnologia e de tudo o que concerne ao mundo
exterior, mas não somos mestres de nossa mente. Às vezes a tecnologia que nos
dá controle sobre certas funções mentais nos ilude completamente. Ter controle
sobre uma máquina significa que nós podemos ligá-la, significa que podemos ir
mais rápido, diminuir a velocidade e até mesmo parar quando for necessário. O
mesmo é requerido de uma mente disciplinada. Uma mente disciplinada é aquela
que pensa somente quando você quer e sobre o que você decide. Se você quer que
ela pense rápido, devagar ou pare de pensar, ela irá fazê-lo imediatamente. Os
pensamentos que entram em uma mente disciplinada são rapidamente reconhecidos e
direcionados.
Se nós examinarmos a vida dos yogīs,
sadhus, saṃnyāsins, santos e místicos, notaremos que eles têm algo em
comum. Eles vivem em um estado de concentração intensa, unidirecionada,
dedicando-se totalmente ao ideal ou propósito que escolheram como último
objetivo de conquista espiritual. Eles ganham controle sobre si mesmos e
sobre suas mentes pela prática regular e estável. Através do poder de
concentração que possuem, eles gradualmente integram suas mentes a oração ou
meditação até que sejam capazes de conquistar um estado de perfeito controle
mental. Usualmente, quando conhecemos uma pessoas assim, a primeira impressão é
de uma profunda paz interior, estabilidade e autocontrole.
A habilidade de se concentrar é a raiz de todas as boas qualidades no
homem e para ser desenvolvida ela requer esforço extremo. Desenvolver uma mente
concentrada é mais difícil do que conquistar um bom salário ou um bom emprego.
Uma pessoa comum não nasce com a habilidade de se concentrar, portanto é
necessário uma mudança na natureza pessoal a fim de se criar algo que antes não
existia. É muito diferente do que estudar conceitos filosóficos de livros ou se
submeter a várias palestras. A concentração é algo que deve ser praticada e
descoberta pessoalmente, dessa maneira os frutos irão aparecer.
O essencial para se
desenvolver a concentração é a constância na prática. Contudo, antes de iniciarmos uma
prática de concentração, precisamos ter alguma idéia sobre a larga extensão que
este estado mental de desenvolvimento cobre. As práticas de concentração e
meditação foram codificadas nos textos do Yoga,
nos Tantras e nas Upaniṣads. Portanto, o assunto deveria
ser estudado e pesquisado nessas fontes para um melhor desenvolvimento. A concentração não é uma prática
superficial. Ela envolve um mergulho profundo nas dimensões internas da mente e
da consciência. Para isso, precisamos de três coisas: i. método correto;
ii. orientação correta; e iii. entendimento correto.
Referências
LIGUORI, Fernando. Meditação
Natural: passo a passo na construção de sua prática. Manuscrito do autor.
_____________. Yogasūtra
de Patañjali – Nova Tradução & Comentário. Manuscrito do autor.
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SARASWATI, Swami Muktibodhananda. Hatha Yoga Pradipika. Bihar, Índia:
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Sure Ways to Self-Realization. Bihar, Índia: Yoga
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_____________. Yoga
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Horizonte, Brasil: Satyananda Yoga Center, 2006.
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