Estudo dirigido: Tantrasāra de Abhinavagupta
O indivíduo é idêntico ao Ser Supremo, Deus, mas com uma diferença: esta envolvido pelo o véu da ignorância que é em si o resultado de mala ou a impureza, classificada sob três aspectos: āṇava mala, a limitação relacionada a aṇu, o indivíduo. É a condição de limitação primordial que reduz a consciência universal em jīva (a alma individual condicionada por seus saṁskāras e pela identificação com suas limitações), privando a consciência da śakti e a śakti da consciência, causando o sentido de imperfeição; māyīya mala ou a limitação que ocorre em detrimento de māyā, dotando a alma de seus dois veículos corpóreos, grosso e sutil, causando o sentido de diferença; e kārma mala, a limitação que ocorre em detrimento das vāsanās, resíduos mnemônicos deixados na mente pela atuação do karma.
Para que o indivíduo possa se realizar como o Senhor Todo-Poderoso (Paramaśiva) – que está além do tempo & espaço, habitando todos os seres e permanecendo não afetado como um cristal que reflete várias matizes distintas – deve adquirir aquilo que nos āgama śāstras (revelações divinas) é conhecido como jñāna ou gnose, o verdadeiro conhecimento do Ser como o Absoluto. Com a obtenção de jñāna o tresmalho de mala como acima descrito é ceifado pela revelação da divina luz que resplandece do verdadeiro Ser. Os āgama-s, mais precisamente, Śaivāgama-s, transmitem a doutrina do advaita jñāna ou o conhecimento do Senhor Todo-Poderoso (Paramaśiva) idêntico a alma individual.
Assim como Śaṅkara foi o responsável pelo renascimento do Advaita Vedānta como um sistema de filosofia, da mesma maneira Abhinavagupta foi o responsável pela exposição do Advaita Śaivāgama. Para cumprir o trabalho, este grande preceptor (ācārya) seguiu detalhadamente os princpípios delineados no Mālīnivijayatantra, um curto ensaio inserido em sua obra monumental, o Tantrāloka, considerado por muitos preceptores como a enciclopedia Śaivāgama. Tendo em vista o volume desta escritura pouco acessível aos adeptos de sua época e posterior, Abhinava resumiu o conteúdo da obra em uma escritura mais acessível, o Tantrasāra. No prelúdio Abhinava descreve seu objetivo em compor o trabalho:
Meu Tantrāloka é muito volumoso e portanto as pessoas menos assíduas têm dificuldade em estudá-lo. Por outro lado, o Tantrasāra, que é um resumo do Tantrāloka, será útil, em uma escala menor, tanto aos leitores menos assíduos quanto àqueles que estudam o Tantrāloka.
Apontando os objetivos da obra ele completa:
É dito que a ignorância é a causa de todo o sofrimento, embaraço e obstáculo do mundo. Nos śāstras isso é designado como mala ou impureza. Com o conhecimento de que o Ser é identido ao Absoluto mala é reduzida a nada e o estado alcançado por esta graça chama-se mokṣa ou a liberação das misérias causadas por mala. Eu exponho os meios de se obter mokṣa conforme descrito nos śāstras. Aqui o leitor encontrará uma descrição acerca dos tattvas ou princípios, um conhecimento indispensável para auto-realização.
No estudo desta obra o leitor notará que existem duas maneiras para que um indivíduo realize sua identidade com o Ser Supremo, o Absoluto. Uma dessas maneiras é pela prática religiosa de rituais e cerimônias, enquanto a outra se dá por aquilo que no Śaivismo é conhcido como três upāyas ou caminhos (Śāmbhava, Śākta e Āṇava) baseados respectivamente nas três śaktis do Senhor Supremo: icchā, jñāna e kriyā. Nesta conexão Abhinava diz:
O Senhor de Toda Sabedoria, que é Toda Completude, permite a Si mesmo, como ele é, estar envolvido por māyā (poder ilusório) e aparece na forma de jīva ou ser individualizado. E para possibilitar esta jīva reconhecer sua identidade com o Ser Supremo, Ele traz à luz o caminho de jñāna nos três meios (upāyas).
A obra é composta em vinte e duas āhnikas (lit. trabalho feito de dia) e para facilitar a leitura, Abhinava sempre termina cada āhnika com um śloka, formulando assim a essência de cada ponto levantado no estudo. Segue agora um sumário de dezenove āhnikas:
Āhnika 1 – trata de vários tipos de vijñāna ou conhecimento elevado;
Āhnika 2 – demonstra como a estabilidade da meditação no importante significado da palavra aham pode fazer com que o indivíduo realize sua identidade com o Absoluto;
Āhnika 3 – coloca ênfase em Śāmbhavopāya como meio de se atingir a mais elevada bem-aventurança;
Āhnika 4 – descreve Śāktopāya como caminho para se atingir o mesmo objetivo;
Āhnika 5 – discorre longamente sobre Āṇavopāya traçando uma detalhada descrição das funções do prāṇa e apāna, os dois alentos vitais do corpo, na forma de recitação de orações, mantras, posturas corporais e a contemplação mental;
Āhnika 6 – contem uma elaborada descrição de Kālādhva, o significado de kāla ou tempo, começando por segundo, minuto, hora, noite, dia, o tithī (tempo de ascensão de uma lua a outra), o mês, o ano, uma descrição do mahāpralaya (dissolução de todo universo) baseado no trabalho do prāṇa, demonstrando por meio dele o caminho do reconhecimento;
Āhnika 7 – demonstra a estabilidade da meditação no significado dos tattvas (de pṛthivī tattva a śaktī tattva), e como se envolvem nos cinco aspectos do poder e glória de Paramaśiva – Nivṛtti, Praṭṣṭha, Vidyā, Śāntā e Śantyatītā – e a relação existente entre eles e Kālagni-Rudra. Sobre todas Bhuvanās o indivíduo pode se realizar como o Absoluto. Isso é conhecido como Kalādhvā;
Āhnika 8 – trata do caminho da comtemplação sobre os tattvas, demonstrando como se obter a perfeição do conhecimento através deles, a visão da mais Elevada Realidade se manifestando no indivíduo;
Āhnika 9 – ocorre uma desrição acurada de cada um dos tattvas e os meios para se estabelecer a meditação em cada um deles como caminho de reconhecimento entre o indivíduo e Paramaśiva;
Āhnika 10 – descreve os três caminhos – Padādhvā, Mantrādhvā e Varaṇādhvā – como meios de se penetrar em Kalādhvā, colocando ênfase em sua relação com os cinco aspectos do poder e glória de Paramaśiva como veículos de autoconhecimento;
Āhnika 11 – demonstra como a benevolência de Paramaśiva é necessária para que o indivíduo se torne merecedor da iniciação, uma outra forma de se atingir mokṣa pelo conhecimento da mais Alta Realidade;
Āhnika 12 – trata da ordenação e do batismo (nas águas divinas) como pré-requisitos a iniciação;
Āhnika 13 – disserta sobre os métodos de averiguação sobre a eficiência de um discípulo chamado Sumayī a fim de que pudesse receber a iniciação e o dīkṣā yajña, bem como ritos relacionados a esta iniciação;
Āhnika 14 – disserta sobre o exame de outro discípulo chamado Putrak, descrevendo o curso de várias iniciações que ele deveria passar como caminho preliminar a iniciações futuras;
Āhnika 15 – contém a Samut Kramaṇa Dīkṣā ou iniciação por ancestralidade, mas que também é efetivada quando alguém, perto da morte, deseja ardentemente ser iniciado;
Āhnika 16 – demonstra o caminho da iniciação para aquele que está perto da morte ou perdido em outro país. Esta iniciação pode ser dada somente pela graça do guru ou preceptor;
Āhnika 17 – explica como um homem, pertencente a outra religião, pode ser iniciado no Śaivismo se esta é sua vontade. Contudo, ele deve estar livre de sua crença anterior;
Āhnika 18 – formula os métodos de como o iniciado pode vir a ocupar o lugar do guru;
Āhnika 19 – trata da re-iniciação para aquele que durante muito tempo esteve afastado por circunstâncias fora de seu controle, assim como a iniciação, em seu leito de morte, por uma pessoa que ainda não é iniciada, mas possui um ardente desejo de sê-lo.
O Estudo dirigido do Tantrasāra ocorre toda sexta-feira, às 20:30h, no Espaço Kaula ::: Tantra, Yoga & Āyurveda. Para mais informações, clique em contato.
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