sábado, 9 de novembro de 2013

Yoga & o Gerenciamento da Mente



Por Fernando Liguori


[Satsanga realizado durante a abertura do Curso de Aprofundamento em Yoga ministrado pelo Instituto Kaula em 2011.]


O Yoga é a filosofia da expansão da consciência e liberação das energias e potenciais. Como conquistar e passar por esta experiência sempre foi à busca fundamental da humanidade. Vamos começar do início.

Nós nascemos neste corpo, mas qual é a nossa real experiência de vida? Como compreendemos a vida e como melhoramos a qualidade de nossas vidas? Muitas pessoas têm definido a experiência da vida como consciência e energia interagindo com o mundo dos objetos e os sentidos. As pessoas têm tentado definir a consciência, a mente e como os sentidos, desejos e ideias influenciam nossa personalidade. Vamos observar este processo de um ângulo diferente. A vida que vivemos, a vida que experimentamos, é uma expressão de nossa mente. Nós vivemos de acordo com os ditames de nossa mente. A filosofia que aceitamos e vivemos está incrustada em nossa mente. Se você está feliz com sua vida, então sua mente é feliz. Se você está sofrendo, este é um reflexo da natureza negativa predominante na mente em dado momento. A dor e o prazer ou a ignorância e a sabedoria que experienciamos são expressões da mente. De acordo com os princípios do Yoga, a mente tem de ser gerenciada para que possa se tornar mais criativa, dinâmica, vibrante e desperta.

A descrição clássica do Yoga é um método de gerenciamento da mente. Muitas pessoas têm definido o Yoga como a união da consciência individual (ātman) com a consciência mais elevada (Brahma). Muitas pessoas têm experienciado o Yoga na forma de exercícios físicos, o que provê uma experiência de completude e bem-estar. Muitas pessoas têm praticado meditação, descobrindo que são capazes de gerenciar suas mentes, problemas, fobias, complexos e inibições de maneira mais efetiva, desenvolvendo maior entendimento acerca de si mesmas.

O Yogasūtra de Patañjali, o texto clássico e de maior autoridade sobre o assunto, define o Yoga em três afirmações específicas. Há cinco mil anos foi perguntado ao ṛṣī Patañjali: «O que é Yoga?» Ele respondeu: «O Yoga é nada além de autodisciplina.» A ele perguntaram novamente: «Qual é o resultado final desta disciplina?» Ele disse: «Através da disciplina yogī é possível gerenciar as diferentes manifestações da mente que limitam nossas capacidades.» E o resultado? Patañjali diz que «então você realizará sua verdadeira natureza.»

A influência das qualidades e fraquezas

Os seres humanos possuem naturezas predominantemente diferentes que alteram o comportamento normal e os padrões da mente. De uma perspectiva yogī, a personalidade é governada por certas qualidades inerentes. Estas qualidades são conhecidas como clareza mental, força de vontade, consciência, concentração e entendimento, bem como a aplicação da sabedoria, positividade e otimismo no dia a dia. A força da mente é a discriminação, o conhecimento da diferença entre o que é certo e o que é errado. Um comportamento positivo e criativo reflete a qualidade natural da personalidade e funções da mente.

Entretanto, nossas fraquezas conduzem mais a nossa mente do que nossas qualidades. Estas fraquezas são o medo, insegurança, inibição, pensamento turvo, comportamento inapropriado, ideias e conceitos mal entendidos, egoísmo e ignorância. Normalmente nos encontramos tão imersos em nossas fraquezas que nos esquecemos de nossas qualidades. Os medos, obsessões, inseguranças e complexos se manifestam mais do que o otimismo e as qualidades criativas.

Nosso comportamento é influenciado por estas fraquezas. Quanto mais fraca é a pessoa, mais egoísta ela se torna. Quanto mais forte é a pessoa, mais abnegada ela se torna. Se você é uma pessoa insegura, então tentará construir uma imagem diferente de si mesmo, uma imagem otimista que transmita o quão forte você é. Contudo, quanto mais você tenta manter esta imagem de que é uma pessoa segura e não se abala pelas influências externas, mais egoísta se torna. Mas se você é uma pessoa positiva, otimista, dinâmica e criativa, não há nada com o que se preocupar. Você não é o centro do mundo, mas um participante da grande aventura da vida. Na medida em que se torna mais desapegado nada pode conectá-lo a uma imagem egoísta. Abnegação, desapego na mente, na vida, significa que você é capaz de compreender e apreciar o sofrimento, necessidades e aspirações de outras pessoas a fim de auxiliá-las a atingir a completude. A natureza é abnegada. As árvores não comem seu próprio fruto e o rio não bebe sua própria água; isso é somente para os que têm fome e sede. Nem mesmo os animais vivem com a mesma consciência do ego auto-centrado como os seres humanos.

Gerenciando ambições e necessidades

A ambição é outro importante componente. Quais são as nossas ambições e necessidades? É o papel da ambição apenas satisfazer nossas necessidades e promover a sensação de satisfação e felicidade? Existem ambições práticas e ambições nada práticas. As ambições práticas são baseadas em nossas necessidades e no impulso de satisfazê-las. Ambições nada práticas são aquelas baseadas nos impulsos que buscam mais poder e ambição, um verdadeiro jogo em nosso interior. Existem ambições paralelas, mas não somos capazes de distinguir entre as necessidades e as ambições. De um lado nós possuímos qualidades e fraquezas e do outro, ambições e necessidades. De um lado as fraquezas se tornam predominantes e nos tornamos inconscientes de nossas qualidades. Nos tornamos pessoas confusas sem saber o que fazer ou como gerenciar as situações da vida. Do outro lado, as ambições se tornam predominantes e passamos a ignorar muitas de nossas necessidades.

Se você olhar para si mesmo objetivamente, notará que seus medos e inseguranças representam suas fraquezas e seu desejo por se tornar algo na vida representa sua ambição. Olhando atentamente a sociedade notamos que nos hospitais, médicos, psiquiatras e psicoanalistas, todos, sem exceção, lidam com as áreas da vida que perdemos controle. Um bom psiquiatra ou psicoanalista irá nos auxiliar a encontrar nossas qualidades para que possamos superar as dificuldades, o que indica que perdemos contato com nossas qualidades internas inerentes como o positivismo e o otimismo. Nós também perdemos a consciência de nossas necessidades e nos encontramos na busca por uma miragem da felicidade em uma competição insana.

Bem, nós temos de viver com nossas mentes e temos de usá-la para melhorar a qualidade de nossas vidas. Nossa discussão aqui não é sobre como gerenciar nossos pensamentos, emoções, desejos ou expectativa, mas ao contrário, como gerenciar as qualidades, fraquezas, ambições e necessidades que influenciam a natureza de nossa personalidade e governam as expressões e manifestações de nossas mentes. Se um destes quatro padrões for forte, então nosso comportamento, construtos de pensamento, emoções, vontade e expectativas serão influenciadas. Aqui o Yoga oferece um sistema muito claro de meditação.

Meditação: um estado de mente, não uma prática

No Yoga, a meditação «dhyāna» é o sétimo passo, não o primeiro. Quando entramos para escola, primeiro temos de cursar o ensino fundamental, depois o ensino médio e então a universidade. É um avanço em graus. O Yoga deve ser tratado da mesma maneira. No caminho, você tem de começar com o primeiro passo, não com o sétimo, pulando as outras etapas. Contudo, existem pessoas tão entusiasmadas com a prática da meditação que querem começar no sétimo estágio. Eles praticam algumas técnicas de concentração e meditação e enquanto a prática se parece satisfatória, eles ainda se mantêm presos nos mesmos padrões e conflitos mentais. Isso é possível? É possível meditar verdadeiramente e ainda sim a mente estar vagueando delirante e sem controle algum?

Sob uma perspectiva yogī, a meditação não pode ser ensinada ou praticada. A meditação é um estado de experiência, um estado de mente. Quando você se deita para dormir, a noite, imediatamente entra para um estado onde não se encontra consciente de si mesmo ou de que está dormindo. Ocorre uma dissociação completa entre você, o tempo, o espaço e os objetos. Quando acorda, imediatamente toma consciência de si mesmo, de sua personalidade, do ambiente e do mundo. Assim como o sono e o estado de vigília são um estado de mente, da mesma maneira a meditação é um estado de mente. Portanto, a meditação não pode ser praticada. Nós temos de retraçar e reeducar a personalidade e a mente. O processo do desenvolvimento de um estado meditativo começa com a consciência até a concentração.

Relaxamento

No Yoga, a sequência para aperfeiçoar as diferentes naturezas da mente é pratyāhāra, relaxamento e o desenvolvimento da consciência, seguido por dhāraṇā, a concentração. Pratyāhāra é o início de um entendimento interior de nossa verdadeira natureza. A prática de pratyāhāra começa no relaxamento. Normalmente, nos encontramos psicologicamente tensos, mas em um nível muito sutil, imperceptível para mente consciente. A mente consciente, a mente que interage com o mundo, está apenas consciente das áreas que estão predominantemente sob o escopo da consciência. Neste exato momento, existem pessoas distintas, sons e movimentos dentro desta sala, mas você está focado na preleção e portanto não está consciente das experiências periféricas. Se você for gravar uma música em um estúdio terá de usar um computador para tirar os sons de fundo, mudando a qualidade do som para que ele fique limpo.

Similarmente, em pratyāhāra, o primeiro estágio é o relaxamento, onde você se torna consciente de si mesmo e filtra o material residual que obscurece sua percepção. Neste caminho você consegue relaxar as tensões psicológicas e inconscientes que atrapalham sua criatividade. As pessoas que praticam relaxamento e cultivam um estado de consciência tornam-se diferentes em suas atitudes, o processo pensante e entendimento da vida. No relaxamento, começamos por desenvolver a consciência e nos movemos ao entendimento das diferentes situações da vida, em todos os aspectos. Essa é a primeira prática ou estágio a ser aperfeiçoado antes de passar ao próximo, que é a concentração.

Concentração

Concentração, dhāraṇā, significa foco nos processos mentais e energias. Também significa identificação total. Existe a história de um professor que decidiu testar a habilidade de seus estudantes na arte da arquearia. Ele colocou um pássaro no galho de uma arvore. De um a um, chamou seus estudantes, pedindo que pegassem o arco e a flecha e mirassem no olho do pássaro. Quando os estudantes estavam prontos para lançar a flecha, o professor perguntava o que eles estavam vendo. Alguns diziam «eu vejo o senhor», outros «eu vejo a árvore e o pássaro» e ainda outros diziam «eu vejo o pásaro, a mata, o céu e as nuvens». Nenhum destes estudantes passou no teste. Contudo, apenas um estudante quando foi inquirido pelo professor foi capaz de dizer: «não vejo nada além do olho do pássaro que tenho de acertar». Este passou no teste. Coloque a si mesmo nesta posição. Se você vê tudo, isso representa um estado disperso de mente, incapaz de focar o alvo. O estudante que apenas viu o olho do pássaro logicamente via tudo, como seus colegas, mas sua concentração estava direcionada apenas em um ponto. Este é o estado de concentração.

Se cada um de vocês conseguir atingir este estado de concentração, irão experimentar a paz absoluta em toda parte, mesmo no meio de um tumultuado conflito. De outra maneira, vocês nunca encontrarão a paz, mesmo na mais remota das cavernas no alto dos Himalaias. Swami Satyananda dizia que não há paz nos Himalaias da mesma maneira que não existe alarde e confusão no mundo. Onde quer que esteja, a paz estará dentro de você e na expressão de sua mente. O Yoga ocupa-se do relaxamento e da concentração na forma de pratyāhāra e dhāraṇā. Essa reeducação da mente que ocorre nos estados meditativos pode acontecer espontaneamente, sem esforço, no curso do tempo. A meditação permite nos tornarmos nós mesmos de uma vez por todas.

A vida é uma expressão da mente

O propósito da meditação é atingir um estado de equilíbrio onde quer que estejamos, capazes de gerenciar o comportamento da mente que se manifesta como um super-entusiasmo ou a falta total dele, confiança em si mesmo ou total falta de confiança. Para atingir esta meta, é necessário seguir a sequência definida pelo Yoga e não pular direto a sétima etapa da prática. Se você seguiu a sequência de auto-observação e o cultivo da consciência de forma apropriada, será capaz de compreender seu envolvimento e interação com o mundo dos sentidos e objetos. Se você for capaz de se conectar com suas qualidades e superar suas fraquezas e ainda compreender a diferença entre suas necessidades e ambições, então será capaz de melhorar a qualidade de sua mente e portanto de sua vida. Este é o ensinamento clássico e tradicional do Yoga passado a frente de geração a geração através de mestres ou seres iluminados. A vida é uma expressão da mente. Se pudermos cultivar qualidades mentais como a positividade, criatividade e otimismo, então toda experiência de vida muda. O Yoga provê esta centelha de inspiração. Utilizem essa centelha do Yoga para iluminar suas mentes, clareando suas vidas fazendo com que vivenciem felicidade e completude.

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