Por Fernando Liguori
[Satsanga realizado durante a
abertura do Curso de Aprofundamento em Yoga ministrado pelo Instituto
Kaula em 2011.]
O Yoga é a filosofia da expansão da consciência e liberação
das energias e potenciais.
Como conquistar e passar por esta experiência sempre foi à busca fundamental da
humanidade. Vamos começar do início.
Nós nascemos neste corpo, mas qual é a nossa real experiência de vida?
Como compreendemos a vida e como melhoramos a qualidade de nossas vidas? Muitas
pessoas têm definido a experiência da vida como consciência e energia
interagindo com o mundo dos objetos e os sentidos. As pessoas têm tentado
definir a consciência, a mente e como os sentidos, desejos e ideias influenciam
nossa personalidade. Vamos observar este processo de um ângulo diferente. A
vida que vivemos, a vida que experimentamos, é uma expressão de nossa mente.
Nós vivemos de acordo com os ditames de nossa mente. A filosofia que aceitamos
e vivemos está incrustada em nossa mente. Se você está feliz com sua vida,
então sua mente é feliz. Se você está sofrendo, este é um reflexo da natureza
negativa predominante na mente em dado momento. A dor e o prazer ou a
ignorância e a sabedoria que experienciamos são expressões da mente. De acordo
com os princípios do Yoga, a mente tem de ser gerenciada para que possa
se tornar mais criativa, dinâmica, vibrante e desperta.
A descrição clássica do Yoga é um método de gerenciamento da
mente. Muitas pessoas têm
definido o Yoga como a união da consciência individual (ātman)
com a consciência mais elevada (Brahma). Muitas pessoas têm
experienciado o Yoga na forma de exercícios físicos, o que provê uma
experiência de completude e bem-estar. Muitas pessoas têm praticado meditação,
descobrindo que são capazes de gerenciar suas mentes, problemas, fobias,
complexos e inibições de maneira mais efetiva, desenvolvendo maior entendimento
acerca de si mesmas.
O Yogasūtra de Patañjali, o texto clássico e de maior autoridade
sobre o assunto, define o Yoga em três afirmações específicas. Há cinco
mil anos foi perguntado ao ṛṣī Patañjali: «O que é Yoga?» Ele respondeu:
«O Yoga é nada além de autodisciplina.» A ele perguntaram novamente: «Qual é o
resultado final desta disciplina?» Ele disse: «Através da disciplina yogī é possível
gerenciar as diferentes manifestações da mente que limitam nossas capacidades.»
E o resultado? Patañjali diz que «então você realizará sua verdadeira
natureza.»
A influência das qualidades e fraquezas
Os seres humanos possuem naturezas predominantemente diferentes que
alteram o comportamento normal e os padrões da mente. De uma perspectiva yogī,
a personalidade é governada por certas qualidades inerentes. Estas qualidades
são conhecidas como clareza mental, força de vontade, consciência, concentração
e entendimento, bem como a aplicação da sabedoria, positividade e otimismo no
dia a dia. A força da mente é a discriminação, o conhecimento da diferença
entre o que é certo e o que é errado. Um comportamento positivo e criativo
reflete a qualidade natural da personalidade e funções da mente.
Entretanto, nossas fraquezas conduzem mais a nossa mente do que nossas
qualidades. Estas fraquezas são o medo, insegurança, inibição, pensamento
turvo, comportamento inapropriado, ideias e conceitos mal entendidos, egoísmo e
ignorância. Normalmente nos encontramos tão imersos em nossas fraquezas que nos
esquecemos de nossas qualidades. Os medos, obsessões, inseguranças e complexos
se manifestam mais do que o otimismo e as qualidades criativas.
Nosso comportamento é influenciado por estas fraquezas. Quanto mais fraca
é a pessoa, mais egoísta ela se torna. Quanto mais forte é a pessoa, mais
abnegada ela se torna. Se você é uma pessoa insegura, então tentará construir
uma imagem diferente de si mesmo, uma imagem otimista que transmita o quão
forte você é. Contudo, quanto mais você tenta manter esta imagem de que é uma
pessoa segura e não se abala pelas influências externas, mais egoísta se torna.
Mas se você é uma pessoa positiva, otimista, dinâmica e criativa, não há nada
com o que se preocupar. Você não é o centro do mundo, mas um participante da
grande aventura da vida. Na medida em que se torna mais desapegado nada pode
conectá-lo a uma imagem egoísta. Abnegação, desapego na mente, na vida,
significa que você é capaz de compreender e apreciar o sofrimento, necessidades
e aspirações de outras pessoas a fim de auxiliá-las a atingir a completude.
A natureza é abnegada. As árvores não comem seu próprio fruto e o rio não bebe
sua própria água; isso é somente para os que têm fome e sede. Nem mesmo os
animais vivem com a mesma consciência do ego auto-centrado como os seres
humanos.
Gerenciando ambições e necessidades
A ambição é outro importante componente. Quais são as nossas ambições e
necessidades? É o papel da ambição apenas satisfazer nossas necessidades e
promover a sensação de satisfação e felicidade? Existem ambições práticas e
ambições nada práticas. As ambições práticas são baseadas em nossas
necessidades e no impulso de satisfazê-las. Ambições nada práticas são aquelas
baseadas nos impulsos que buscam mais poder e ambição, um verdadeiro jogo em
nosso interior. Existem ambições paralelas, mas não somos capazes de distinguir
entre as necessidades e as ambições. De um lado nós possuímos qualidades e fraquezas
e do outro, ambições e necessidades. De um lado as fraquezas se tornam
predominantes e nos tornamos inconscientes de nossas qualidades. Nos tornamos
pessoas confusas sem saber o que fazer ou como gerenciar as situações da vida.
Do outro lado, as ambições se tornam predominantes e passamos a ignorar muitas
de nossas necessidades.
Se você olhar para si mesmo objetivamente, notará que seus medos e
inseguranças representam suas fraquezas e seu desejo por se tornar algo na vida
representa sua ambição. Olhando atentamente a sociedade notamos que nos
hospitais, médicos, psiquiatras e psicoanalistas, todos, sem exceção, lidam com
as áreas da vida que perdemos controle. Um bom psiquiatra ou psicoanalista irá
nos auxiliar a encontrar nossas qualidades para que possamos superar as
dificuldades, o que indica que perdemos contato com nossas qualidades internas
inerentes como o positivismo e o otimismo. Nós também perdemos a consciência de
nossas necessidades e nos encontramos na busca por uma miragem da felicidade em
uma competição insana.
Bem, nós temos de viver com nossas mentes e temos de usá-la para melhorar
a qualidade de nossas vidas. Nossa discussão aqui não é sobre como gerenciar
nossos pensamentos, emoções, desejos ou expectativa, mas ao contrário, como
gerenciar as qualidades, fraquezas, ambições e necessidades que influenciam a
natureza de nossa personalidade e governam as expressões e manifestações de
nossas mentes. Se um destes quatro padrões for forte, então nosso
comportamento, construtos de pensamento, emoções, vontade e expectativas serão
influenciadas. Aqui o Yoga oferece um sistema muito claro de meditação.
Meditação: um estado de mente, não uma prática
No Yoga, a meditação «dhyāna» é o sétimo passo, não o
primeiro. Quando entramos para escola, primeiro temos de cursar o ensino
fundamental, depois o ensino médio e então a universidade. É um avanço em
graus. O Yoga deve ser tratado da mesma maneira. No caminho, você tem de
começar com o primeiro passo, não com o sétimo, pulando as outras etapas. Contudo,
existem pessoas tão entusiasmadas com a prática da meditação que querem começar
no sétimo estágio. Eles praticam algumas técnicas de concentração e meditação e
enquanto a prática se parece satisfatória, eles ainda se mantêm presos nos
mesmos padrões e conflitos mentais. Isso é possível? É possível meditar
verdadeiramente e ainda sim a mente estar vagueando delirante e sem controle
algum?
Sob uma perspectiva yogī, a meditação não pode ser ensinada ou
praticada. A meditação é um estado de experiência, um estado de mente.
Quando você se deita para dormir, a noite, imediatamente entra para um estado
onde não se encontra consciente de si mesmo ou de que está dormindo. Ocorre uma
dissociação completa entre você, o tempo, o espaço e os objetos. Quando acorda,
imediatamente toma consciência de si mesmo, de sua personalidade, do ambiente e
do mundo. Assim como o sono e o estado de vigília são um estado de mente, da
mesma maneira a meditação é um estado de mente. Portanto, a meditação não
pode ser praticada. Nós temos de retraçar e reeducar a personalidade e a mente.
O processo do desenvolvimento de um estado meditativo começa com a
consciência até a concentração.
Relaxamento
No Yoga, a sequência para aperfeiçoar as diferentes naturezas da
mente é pratyāhāra, relaxamento e o desenvolvimento da consciência,
seguido por dhāraṇā, a concentração. Pratyāhāra é o início de
um entendimento interior de nossa verdadeira natureza. A prática de
pratyāhāra começa no relaxamento. Normalmente, nos encontramos psicologicamente
tensos, mas em um nível muito sutil, imperceptível para mente consciente. A
mente consciente, a mente que interage com o mundo, está apenas consciente das
áreas que estão predominantemente sob o escopo da consciência. Neste exato
momento, existem pessoas distintas, sons e movimentos dentro desta sala, mas
você está focado na preleção e portanto não está consciente das experiências
periféricas. Se você for gravar uma música em um estúdio terá de usar um
computador para tirar os sons de fundo, mudando a qualidade do som para que ele
fique limpo.
Similarmente, em pratyāhāra, o primeiro estágio é o
relaxamento, onde você se torna consciente de si mesmo e filtra o material
residual que obscurece sua percepção. Neste caminho você consegue relaxar
as tensões psicológicas e inconscientes que atrapalham sua criatividade. As
pessoas que praticam relaxamento e cultivam um estado de consciência tornam-se
diferentes em suas atitudes, o processo pensante e entendimento da vida. No
relaxamento, começamos por desenvolver a consciência e nos movemos ao
entendimento das diferentes situações da vida, em todos os aspectos. Essa é
a primeira prática ou estágio a ser aperfeiçoado antes de passar ao próximo,
que é a concentração.
Concentração
Concentração, dhāraṇā, significa foco nos processos mentais e
energias. Também significa identificação total. Existe a história de
um professor que decidiu testar a habilidade de seus estudantes na arte da
arquearia. Ele colocou um pássaro no galho de uma arvore. De um a um, chamou
seus estudantes, pedindo que pegassem o arco e a flecha e mirassem no olho do
pássaro. Quando os estudantes estavam prontos para lançar a flecha, o professor
perguntava o que eles estavam vendo. Alguns diziam «eu vejo o senhor», outros
«eu vejo a árvore e o pássaro» e ainda outros diziam «eu vejo o pásaro, a mata,
o céu e as nuvens». Nenhum destes estudantes passou no teste. Contudo, apenas
um estudante quando foi inquirido pelo professor foi capaz de dizer: «não vejo
nada além do olho do pássaro que tenho de acertar». Este passou no teste. Coloque
a si mesmo nesta posição. Se você vê tudo, isso representa um estado disperso
de mente, incapaz de focar o alvo. O estudante que apenas viu o olho do
pássaro logicamente via tudo, como seus colegas, mas sua concentração estava
direcionada apenas em um ponto. Este é o estado de concentração.
Se cada um de vocês conseguir atingir este estado de concentração, irão
experimentar a paz absoluta em toda parte, mesmo no meio de um tumultuado
conflito. De outra maneira, vocês nunca encontrarão a paz, mesmo na mais remota
das cavernas no alto dos Himalaias. Swami Satyananda dizia que não há paz nos
Himalaias da mesma maneira que não existe alarde e confusão no mundo. Onde
quer que esteja, a paz estará dentro de você e na expressão de sua mente. O
Yoga ocupa-se do relaxamento e da concentração na forma de pratyāhāra
e dhāraṇā. Essa reeducação da mente que ocorre nos estados meditativos
pode acontecer espontaneamente, sem esforço, no curso do tempo. A meditação
permite nos tornarmos nós mesmos de uma vez por todas.
A vida é uma expressão da mente
O propósito da meditação é atingir um estado de equilíbrio
onde quer que estejamos, capazes de gerenciar o comportamento da mente que se
manifesta como um super-entusiasmo ou a falta total dele, confiança em si mesmo
ou total falta de confiança.
Para atingir esta meta, é necessário seguir a sequência definida pelo Yoga
e não pular direto a sétima etapa da prática. Se você seguiu a sequência de
auto-observação e o cultivo da consciência de forma apropriada, será capaz de
compreender seu envolvimento e interação com o mundo dos sentidos e objetos. Se
você for capaz de se conectar com suas qualidades e superar suas fraquezas e
ainda compreender a diferença entre suas necessidades e ambições, então será
capaz de melhorar a qualidade de sua mente e portanto de sua vida. Este é o
ensinamento clássico e tradicional do Yoga passado a frente de geração a
geração através de mestres ou seres iluminados. A vida é uma expressão da
mente. Se pudermos cultivar qualidades mentais como a positividade,
criatividade e otimismo, então toda experiência de vida muda. O Yoga
provê esta centelha de inspiração. Utilizem essa centelha do Yoga para
iluminar suas mentes, clareando suas vidas fazendo com que vivenciem felicidade
e completude.
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