quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Redefinindo o Yoga



Por Fernando Liguori


[Extratos do satsanga realizado durante a abertura do Curso de Aprofundamento em Yoga ministrado pelo Instituto Kaula em 2011.]


Bem vindos ao mundo do Yoga onde todo dia descobrimos que é possível melhorar a qualidade de nossas vidas e trilhar o caminho do dharma. Na medida em que nos mantemos nessa realização, estamos conectados ao espírito do Yoga. Isso é o que nós temos de aprender, acreditar e viver, pois essa é a marca registrada do Yoga.

Nós vamos abordar as tradições do Yoga como o sādhanā da Bhagavadgītā, o Sāṃkhya e o Vedānta. Quando abordamos essas tradições dentro do contexto do Yoga, compreendemos o que podemos oferecer, não apenas o que o Yoga tem a nos oferecer. A Bhagavadgītā coloca ênfase no desenvolvimento da personalidade humana. O Sāṃkhya e o Vedānta nos possibilitam descobrir os planos cósmicos e como atingir estados elevados de consciência. Vamos redefinir o Yoga para uma melhor compreensão.

Consciência dos condicionamentos

O Yoga é definido como a harmonia e o equilíbrio em todos os níveis de expressão humana e existência, dos sentidos a mente e ao espírito. Contudo, a fim de se estabelecer este estado de harmonia interior, temos de reconhecer os condicionamentos que fazem de nós o que somos, que formam nossa personalidade, nossa natureza. Em nossa vida, do momento em que nascemos até a hora da morte, estamos sujeitos aos condicionamentos. A partir do momento em que os sentidos entram em contato com os objetos os condicionamentos nascem. Todos os pares de opostos entram em ação: atração, repulsão, gosto, desgosto, possessividade, desapego. O Yoga começa quando nos tornamos conscientes destes condicionamentos.

Quando se pratica os āsanas, as posturas do Yoga, você se torna consciente dos condicionamentos físicos, na medida em que flexiona e torce o corpo. A rigidez corporal é um condicionamento. A rigidez mental é um condicionamento. Fixidez de pensamento, emoção, sentimento, expectativa e desejo é um condicionamento. Da perspectiva do Yoga, o primeiro item sempre presente em nossas vidas é o estado de condicionamento que existe em todos os níveis – físico, sensorial, mental, psicológico, emocional, psíquico, espiritual, familiar e social. Os condicionamentos nos fazem felizes e infelizes. Nós aceitamos e apreciamos a beleza da vida ou não. A consciência desde estado de condicionamento em todos os níveis é conhecida como dṛṣṭa, o observador, aquele-que-vê, a testemunha, como postulado no Yogasūtra de Patañjali. Quem é o dṛṣṭa e o que ele observa? Tem sido ensinado que a primeira coisa a ser observada é o estado de condicionamento que controla o comportamento físico, psicológico, emocional e espiritual. Portanto, reconhecer os nossos condicionamentos é o início do Yoga.

Os três estágios do Yoga

O Yoga possui três estágios. O primeiro é a consciência dos condicionamentos. O segundo é a descoberta do antídoto que altera os condicionamentos, um método, um sistema ou processo que pode nos livrar dos condicionamentos ou intensificá-los, para que possamos desenvolver todos os nossos potenciais. Todos nós possuímos uma sabedoria inata capaz de avaliar qual condicionamento é restritivo e qual é enriquecedor, qual qualidade é desejável e qual nos prejudica. Descobrir o processo tanto para intensificar quanto transformar e transcender os condicionamentos é o segundo estágio do Yoga ou experiência na vida. O terceiro estágio é a aplicação do processo, a maneira de vivê-lo, propagá-lo... O terceiro passo é ser o processo vivo.

Este três estágios são parte de nossa experiência yogī e compreensão de sua filosofia. Se existe foco na vida, então a prática de haṭha-yoga ganha um propósito especial; a prática do bhakti, karma, rāja, mantra e outras técnicas do Yoga têm um significado específico e objetivo a ser conquistado. Não um objetivo abstrato, mas um objetivo conquistável, transformador. Este é o sistema do Yoga.

O Yoga pode ser compreendido como uma cultura, um estilo de vida, uma filosofia ou um processo científico de desenvolvimento e autoaprimoramento. Vocês são livres para escolher. Contudo, quando todas as transformações psicológicas e espirituais ocorrerem, alterando os condicionamentos e o comportamento, então o Yoga naturalmente se torna parte de nós, de nosso estilo de vida, pensamentos, respostas e reações, como nos gerenciamos diante das adversidades da vida e como reconhecemos e cultivamos a estabilidade e paz interior. O Yoga se torna parte de nossa rotina e comportamento diário, assim, o Yoga se torna nosso estilo de vida. Este parece ser o entendimento correto do Yoga. Não importa o que você faça, seja a prática de haṭha ou rāja-yoga, pratyāhāra ou dhāraṇā, mantra, karma-yoga ou bhakti-yoga, execute-a como um dṛṣṭa, um observador, buscando aprimoramento e transformação.

Tradicionalmente, estes três estágios foram definidos por Patañjali nos três primeiros aforismos do Yogasūtra. Ele define os condicionamentos pelo termo citta-vṛtti. Os vṛttis ou condicionamentos governam nosso comportamento e todas as expressões humanas. De acordo com o Yogasūtra, a avaliação dos condicionamentos, a descoberta de como alterá-los, transformá-los ou intensificá-los é conhecida como citta-vṛtti-nirodhaḥ. A aplicação do método para intensificar nossos potenciais e qualidades é conhecida como dṛṣṭa-yoga, a pratica de se tornar estabelecido em sua própria natureza. Portanto, lembrem-se destes três pontos a serem aplicados em todas as áreas de expressão humana, seja física, mental ou emocional.

Os desequilíbrios físicos, mentais e emocionais e suas influências no corpo, mente e comportamento são condicionamentos. O impulso de transformar e transcender nossas limitações também é um condicionamento. Buda eventualmente dizia que, a fim de se autorrealizar, o desejo pela autorrealização deve ser eliminado. Quer dizer, devemos superar o condicionamento que nos impulsiona em direção a autorrealização e a experiência da liberdade interior enquanto trilhamos a jornada. Vivemos pelos condicionamentos em cada experiência humana, seja na saúde ou doença, prazer ou dor, centramento e escapismo, bem como nas responsabilidades nos níveis social, pessoal e interpessoal. Portanto, a consciência ou qualidade de dṛṣṭa se torna o componente principal do Yoga e portanto da vida que nos leva ao reconhecimento e gerenciamento das situações que nos fazem crescer.

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