Por Fernando Liguori
[Extratos do satsanga realizado
durante a abertura do Curso de Aprofundamento em Yoga ministrado pelo
Instituto Kaula em 2011.]
Bem vindos ao mundo do Yoga onde todo dia descobrimos que é
possível melhorar a qualidade de nossas vidas e trilhar o caminho do dharma.
Na medida em que nos mantemos nessa realização, estamos conectados ao espírito
do Yoga. Isso é o que nós temos de aprender, acreditar e viver, pois
essa é a marca registrada do Yoga.
Nós vamos abordar as tradições do Yoga como o sādhanā da Bhagavadgītā,
o Sāṃkhya e o Vedānta. Quando abordamos essas tradições dentro do
contexto do Yoga, compreendemos o que podemos oferecer, não apenas o que
o Yoga tem a nos oferecer. A Bhagavadgītā coloca ênfase no
desenvolvimento da personalidade humana. O Sāṃkhya e o Vedānta
nos possibilitam descobrir os planos cósmicos e como atingir estados elevados
de consciência. Vamos redefinir o Yoga para uma melhor compreensão.
Consciência dos condicionamentos
O Yoga é definido como a harmonia e o equilíbrio em todos os níveis
de expressão humana e existência, dos sentidos a mente e ao espírito. Contudo,
a fim de se estabelecer este estado de harmonia interior, temos de reconhecer
os condicionamentos que fazem de nós o que somos, que formam nossa
personalidade, nossa natureza. Em nossa vida, do momento em que nascemos até a
hora da morte, estamos sujeitos aos condicionamentos. A partir do momento em
que os sentidos entram em contato com os objetos os condicionamentos nascem.
Todos os pares de opostos entram em ação: atração, repulsão, gosto,
desgosto, possessividade, desapego. O Yoga começa quando nos tornamos
conscientes destes condicionamentos.
Quando se pratica os āsanas, as posturas do Yoga, você se
torna consciente dos condicionamentos físicos, na medida em que flexiona e
torce o corpo. A rigidez corporal é um condicionamento. A rigidez
mental é um condicionamento. Fixidez de pensamento, emoção, sentimento,
expectativa e desejo é um condicionamento. Da perspectiva do Yoga, o
primeiro item sempre presente em nossas vidas é o estado de condicionamento que
existe em todos os níveis – físico, sensorial, mental, psicológico, emocional,
psíquico, espiritual, familiar e social. Os condicionamentos nos fazem felizes
e infelizes. Nós aceitamos e apreciamos a beleza da vida ou não. A
consciência desde estado de condicionamento em todos os níveis é conhecida como
dṛṣṭa, o observador, aquele-que-vê, a testemunha, como postulado no Yogasūtra
de Patañjali. Quem é o dṛṣṭa e o que ele observa? Tem sido ensinado
que a primeira coisa a ser observada é o estado de condicionamento que controla
o comportamento físico, psicológico, emocional e espiritual. Portanto, reconhecer
os nossos condicionamentos é o início do Yoga.
Os três estágios do Yoga
O Yoga possui três estágios. O primeiro é a consciência dos
condicionamentos. O segundo é a descoberta do antídoto que altera os
condicionamentos, um método, um sistema ou processo que pode nos livrar dos
condicionamentos ou intensificá-los, para que possamos desenvolver todos os
nossos potenciais. Todos nós possuímos uma sabedoria inata capaz de avaliar
qual condicionamento é restritivo e qual é enriquecedor, qual qualidade é
desejável e qual nos prejudica. Descobrir o processo tanto para intensificar
quanto transformar e transcender os condicionamentos é o segundo estágio do Yoga
ou experiência na vida. O terceiro estágio é a aplicação do processo, a maneira
de vivê-lo, propagá-lo... O terceiro passo é ser o processo vivo.
Este três estágios são parte de nossa experiência yogī e
compreensão de sua filosofia. Se existe foco na vida, então a prática de haṭha-yoga
ganha um propósito especial; a prática do bhakti, karma, rāja,
mantra e outras técnicas do Yoga têm um significado específico e
objetivo a ser conquistado. Não um objetivo abstrato, mas um objetivo
conquistável, transformador. Este é o sistema do Yoga.
O Yoga pode ser compreendido como uma cultura, um estilo de vida,
uma filosofia ou um processo científico de desenvolvimento e autoaprimoramento.
Vocês são livres para escolher. Contudo, quando todas as transformações
psicológicas e espirituais ocorrerem, alterando os condicionamentos e o
comportamento, então o Yoga naturalmente se torna parte de nós, de nosso
estilo de vida, pensamentos, respostas e reações, como nos gerenciamos diante
das adversidades da vida e como reconhecemos e cultivamos a estabilidade e paz
interior. O Yoga se torna parte de nossa rotina e comportamento diário,
assim, o Yoga se torna nosso estilo de vida. Este parece ser o
entendimento correto do Yoga. Não importa o que você faça, seja a
prática de haṭha ou rāja-yoga, pratyāhāra ou dhāraṇā, mantra, karma-yoga ou
bhakti-yoga, execute-a como um dṛṣṭa, um observador, buscando aprimoramento e
transformação.
Tradicionalmente, estes três estágios foram definidos por Patañjali nos
três primeiros aforismos do Yogasūtra. Ele define os condicionamentos
pelo termo citta-vṛtti. Os vṛttis ou condicionamentos governam
nosso comportamento e todas as expressões humanas. De acordo com o Yogasūtra,
a avaliação dos condicionamentos, a descoberta de como alterá-los,
transformá-los ou intensificá-los é conhecida como citta-vṛtti-nirodhaḥ.
A aplicação do método para intensificar nossos potenciais e qualidades é
conhecida como dṛṣṭa-yoga, a pratica de se tornar estabelecido em sua
própria natureza. Portanto, lembrem-se destes três pontos a serem aplicados em
todas as áreas de expressão humana, seja física, mental ou emocional.
Os desequilíbrios físicos, mentais e emocionais e suas influências no
corpo, mente e comportamento são condicionamentos. O impulso de transformar e
transcender nossas limitações também é um condicionamento. Buda eventualmente
dizia que, a fim de se autorrealizar, o desejo pela autorrealização deve ser
eliminado. Quer dizer, devemos superar o condicionamento que nos impulsiona em
direção a autorrealização e a experiência da liberdade interior enquanto trilhamos
a jornada. Vivemos pelos condicionamentos em cada experiência humana, seja na
saúde ou doença, prazer ou dor, centramento e escapismo, bem como nas responsabilidades
nos níveis social, pessoal e interpessoal. Portanto, a consciência ou
qualidade de dṛṣṭa se torna o componente principal do Yoga e portanto da vida
que nos leva ao reconhecimento e gerenciamento das situações que nos fazem
crescer.
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